domingo, 13 de julho de 2008

Crise política racha governo chileno


Helena Carnieri
Gazeta do Povo

Protestos urbanos não arranham tanto a imagem da presidente quanto denúncias de corrupção no partido

Quem ouve que a coalizão governista chilena – a Concertación, que reúne quatro partidos e faz presidentes desde 1989 – tende a rachar nas próximas eleições, provavelmente acusa os protestos sociais que movimentaram as ruas do país no mês passado, com direito a estudantes acorrentados na embaixada do Brasil em Santiago.

Mas, para consultores em política e acadêmicos, os problemas da presidente Michelle Bachelet não são pontuais, e sim estruturais, ligados a impostos, corrupção, lobby e insegurança pública. Vale dizer, mais difíceis de resolver.

Nas eleições municipais de outubro próximo, a Concertación (Partido por la Democracia, Partido Demócrata Cristiano, Radical Social Demócrata e Socialista) apresentará duas chapas.

“É a primeira vez que se dá essa situação. É um mal sinal para a unidade e permanência da aliança governista”, diz o diretor-executivo do Centro de Estudos Sociais chileno Avance, Antonio Cortés Terzi.

O resultado deve ser a competição entre partidos integrantes da coalizão, abrindo um precedente para que haja dois candidatos da Concertación nas eleições presidenciais de 2010. O sistema eleitoral do Chile não permite a reeleição.

Desafios

E quais serão os principais problemas a serem enfrentados pelo próximo presidente do Chile, país conhecido por seus bons vinhos mas não por sua desigualdade de renda?

Em matéria de proteção social, o Chile ainda apresenta falhas tanto em saúde quanto em educação, na opinião do doutorando de Ciências Sociais da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), o chileno Fernando de la Cuadra. “Há uma brecha muito grande entre a educação privada e a pública”, diz. Foi essa diferença que levou estudantes às ruas para protestar no mês passado pelo fim do lucro no sistema de ensino.

Para o professor Fernando de la Cuadra, que foi assessor do secretário de Agricultura no governo anterior, de Ricardo Lagos, os efeitos dos protestos sobre a popularidade da presidente (que beira os 40%) dependem do alarde que a direita conseguir fazer com eles.

“A direita acusa Bachelet de ser uma mulher sem autoridade, uma ‘mãe boazinha’, enquanto Ricardo Lagos era forte, um ‘pai autoritário’.”

Para o diretor-executivo do Centro de Estudos Sociais chileno Avance, Antonio Cortés Terzi, “o que mais afeta a popularidade da presidente não são os protestos, mas as denúncias de corrupção e (problemas com) o transporte público, principalmente em Santiago”. O sistema integrado de transporte da capital, Transantiago, revelou erros de planejamento e falhas de funcionamento.

Por sua vez, de la Cuadra vê na violência um problema maior. “A segurança será muito debatida nas eleições. A elite mora bem, mas a diferença de renda e o desemprego aumentaram e criam ressentimentos”, diz.

Ele acrescenta como problemas do governo a dificuldade de Bachelet em elevar tributos. “Ela não consegue, porque existe muito lobby para influenciar contrariamente o Congresso. Mesmo dentro da sua coalizão”, diz. “As mudanças pós-ditadura levaram o país para um parlamentarismo extra-oficial”, explica o professor Alberto Aggio, referindo-se ao grande poder adquirido pelo parlamento desde 1990. Resta saber se nos próximos dois anos e meio de mandato, Bachelet irá recuperar as rédeas do governo.

Bolso também preocupa a população

A economia também é alvo de muita preocupação por parte dos chilenos – e motivo de cobranças para o governo. “Os grandes problemas que afligem Bachelet nas últimas semanas se referem a assuntos econômicos: inflação, baixa taxa de crescimento e os altos preços dos combustíveis”, diz o diretor do Centro de Estudos Sociais Avance, Antonio Cortés Terzi.

Com economia fortemente internacionalizada – o país é exímio exportador de cobre, vinho, salmão e frutas – o Chile se torna uma presa fácil à inflação globalizada de alimentos e combustíveis.

Por muitos anos, o país viveu com baixas alterações de preço, motivo pelo qual a sociedade se tornou sensível a qualquer elevação. “Principalmente quando são os produtos de maior consumo que estão aumentando de preço”, lembra Terzi. “A crise global pesa muito numa economia muito internacionalizada”, concorda o professor de História da Unesp, Alberto Aggio. “A bonança internacional já acabou. Os tempos serão mais duros”, prevê.

Nichos

A salvação da lavoura são os nichos de mercado de alto poder aquisitivo conquistados pelos Chile. “Apesar de ter indústria fraca e depender da exportação de produtos primários que podem ser considerados supérfluos (e cortados da lista de compras), exportamos produtos muito específicos que o consumidor de alta renda continua comprando, independentemente da crise”, diz o doutorando em ciências sociais da UFRRJ, o chileno Fernando de la Cuadra. “Também assinamos um Tratado de Livre Comércio com a China, em maio, o que abre um mercado espetacular”, diz de la Cuadra.

Aggio justifica a atitude da presidente de conter o gasto público, apesar das pressões populares por mais investimentos sociais. “Nessa hora, o gasto público é algo sério.” Entre os produtos de exportação do Chile, o principal deles – o cobre, em que o país é rico – foi, ironicamente, o que caiu de preço, de US$ 3 a libra para US$ 2,70. “Isso tem impacto nos sálarios. Quando o governo faz seu orçamento e plano plurianual, planeja com base no preço do cobre”, diz de la Cuadra.

Uma das garantias do país é um fundo governamental formado por excedentes da venda do cobre em anos de alta da commodity, justamente para anos de vacas magras. Em 2007, o estoque ultrapassou os US$ 20 bilhões (R$ 32 bilhões).

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