segunda-feira, 7 de julho de 2008

A ecologia política das grandes ONGs transnacionais conservacionistas


Antonio Carlos Diegues (org.)

Partindo-se da constatação de que a “conservação da natureza” não é somente um tema “naturalista” de proteção da “natureza selvagem e intocada”, mas também um tema social, cultural e político, há necessidade de se incorporar as ciências sociais e os saberes tradicionais na definição das políticas conservacionistas. Daí, a necessidade de um enfoque interdisciplinar para o trato do tema, que incorpore também o conhecimento local, pois ainda hoje a conservação é amplamente dominada pelas ciências naturais.

Na medida em que as grandes ONGs têm também características empresariais (busca de financiamento, treinamento de pessoal, venda de serviços, estruturas hierarquizadas, etc) e possuem, sem dúvida, influência marcante nas políticas ambientais brasileiras, é importante que sejam analisadas como qualquer outra grande instituição global.

A função desta antologia é levantar um quadro global da ação dessas organizações no mundo, a fim de estimular os pesquisadores brasileiros a estudar a temática em nosso país.

Para isso, decidimos colocar à disposição dos pesquisadores e leitores em geral alguns trabalhos considerados importantes para o entendimento dessa temática, antes somente disponíveis em inglês. Alguns deles são de caráter mais jornalístico, de um jornalismo inquisitivo, como o de Marc Dowie, e o de David Ottaway e Joe Stephens, do Washington Post. Os demais têm um caráter mais acadêmico, escritos, sobretudo, por antropólogos, geógrafos, cientistas políticos e sociólogos.

A coletânea se inicia com o trabalho do antropólogo Mac Chapin: “Um desafio aos conservacionistas”. O autor analisa os impactos das áreas protegidas integrais sobre os povos nativos, estratégia estimulada e patrocinada pelas grandes ONGs. Mac Chapin critica a visão dominante nessas organizações conservacionistas, segundo a qual os seres humanos não são vistos como parte da equação ecológica. O autor mostra também as ligações dessas ONGs com o setor corporativo e as fundações norte-americanas, enfatizando a necessidade de uma maior transparência na prestação de contas à sociedade. Ademais, enfatiza a necessidade de avaliações independentes, não-partidárias e objetivas que respondam às questões que as ONGs não podem, seriamente, deixar de lado. Essas avaliações deveriam ser realizadas por equipes não-hierarquizadas, representando os diversos setores: os povos indígenas, comunidades locais, ONGs nacionais, agências governamentais e doadores (cuja influência é enorme) e corporações privadas (que têm mantido silêncio sobre o assunto.); bem como serem realizadas no espírito de buscar informações e idéias e não justificar programas existentes. Juntos, os parceiros deveriam buscar um diálogo aberto e público que levasse à criação de programas de conservação que respondessem às necessidades da diversidade global, tanto biológica quanto cultural.

Mac Chapin também faz uma análise detalhada do enfoque de algumas dessas ONGs, como a WWF que, por algum tempo (década de 80), foi baseado no trabalho comunitário de conservação, tendo sido abandonado para privilegiar a “conservação em grande escala” na qual as comunidades locais não são consideradas como agentes sociais importantes e que podem ser deixados de lado.

O segundo artigo é constituído por duas respostas, entre as dezenas recebidas pela revista Worldwatch em virtude da publicação do artigo de Mac Chapin, onde são mostradas as reações das ONGs criticadas (WWF), como também daqueles que apóiam as idéias do autor, como a do Amazon Alliance for Indigenous People of the Amazon Basin.

O terceiro artigo, de David B. Ottaway e Joe Stephens, intitulado: “Por dentro da TNC: banco de terra sem fins lucrativos arremata bilhões: filantropia faz ativos em parceria com as corporações”, mostra, principalmente, a política de compras de terras para a conservação e as ligações dessa ONG com as grandes corporações norte-americanas, muitas delas grandes poluidoras e responsáveis por desmatamentos nos Estados Unidos.

O quarto trabalho é de autoria do cientista político Daniel Compagnon, intitulado: “Administrar democraticamente a biodiversidade graças às ONGs?”. Apresenta uma visão crítica das ONGs que apregoam uma “governança global”, como representantes da “sociedade civil”. Para o autor, elas são frequentemente investidas de uma verdadeira delegação de poder, em particular na gestão de áreas protegidas, sendo consideradas a encarnação de uma “sociedade civil internacional” em formação, contribuindo para a emergência de um espaço público planetário. Segundo esse autor, a noção de “governança global ou multiníveis” é uma cortiça de fumaça num sistema-mundo em que as próprias idéias de conservação sofrem as leis de mercado, aparecendo como um subterfúgio para os procedimentos de captação de recursos e cooptação de parceiros, escapando ao controle democrático.

O quinto artigo é de Maritew Chimère-Daw, do Center for International Forestry Research, com o título: “Escalas nas teorias da conservação: um outro conflito de civilizações?”. Nesse trabalho o autor faz uma crítica aos modelos de “grandes paisagens” usadas pelas ONGs, analisando a maneira pela qual o aumento de escala combina-se com a ideologia para produzir uma anti-agenda impermeável aos fracassos históricos da “conservação-fortaleza” (parques nacionais) em ambientes tropicais dos países do sul. Para ele aumentar as escalas é importante, mas o desenvolvimento humano deve ser colocado no centro e não em objetivos estreitos da conservação concebidos em lugares distantes do norte.

O sexto trabalho de Mark Dowie: “Refugiados da conservação”, dá o tom aos próximos artigos, nos quais se analisa o papel das grandes ONGs conservacionistasna promoção de grandes ONGs conservacionistas na promoção de áreas protegidas de onde as populações locais são expulsas ou tem seu modo de vida tradicional impossibilitado pelas restrições ambientais. O autor termina seu artigo afirmando que “se quisermos proteger a biodiversidade em todos os lugares do mundo, frequentemente ocupados por povos nativos de forma ainda ecologicamente sustentáveis, a história nos mostra que a coisa menos inteligente a fazer é expulsá-los de suas terras.”

O sétimo artigo, “Expulsão para a conservação da natureza”, é resultado de uma pesquisa realizada por Dan Brockington e Jim Goe sobre o tema de deslocamento e expulsão de populações nativas de seus territórios para a criação de parques nacionais e reservas no mundo inteiro. Esse tema, segundo os autores, tem dividido os conservacionistas, muitos dos quais vêem nele “um seqüestro da agenda conservacionista” por cientistas sociais e os povos tradicionais. Para os autores, a relocação dos moradores de seus territórios envolve dois processos: não só a remoção forçada das pessoas de suas casas, mas também deslocamento econômico e a exclusão social causada pela legislação que leva os moradores a migrar de seus territórios em busca de melhores condições de vida. A reação aos processos de expulsão aconteceu “como um choque para muitos conservacionistas, pois durante anos a conservação gozou de alto prestígio, e eles se consideravam os salvadores do planeta. A imagem de “bons rapazes globais” não é somente uma parte importante da auto-percepção dos conservacionistas, é também essencial para a imagem das grandes organizações da conservação em seus esforços de arrecadação de fundos”.

Pode-se constatar que os artigos abordam uma vasta gama de problemas relacionados com as estratégias globais das grandes ONGs conservacionistas, indicando frequentemente que esses temas somente agora começam a ser estudados.

Raros são os artigos que mencionam especificamente o caso brasileiro, sem dúvida, por carência de informações. Isso nos sugere a necessidade de pesquisas sobre a ação dessas grandes ONGs presentes no Brasil, suas estratégias e práticas conservacionistas, seus impactos sobre as políticas dos órgãos públicos, das quais participam ativamente, como é o caso do Projeto ARPA, os programas de identificação de áreas prioritárias para a conservação e, sobretudo, sobre as populações tradicionais, cujos territórios foram transformados em áreas de proteção integral com conseqüências semelhantes às que foram descritas por vários trabalhos desta coletânea.

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