domingo, 19 de outubro de 2008

Peso do racismo é incógnita na eleição dos Estados Unidos


Sérgio Dávila
Folha

Vantagem de 6,9 pontos do democrata pode estar inflada por "racistas enrustidos". Campanhas evitam falar, mas tema permeia disputa presidencial americana; para alguns analistas, peso será menor que no passado.

Na Virgínia, um folheto que começou a ser enviado na última semana pelo Partido Republicano traz uma foto que é um close nos olhos de um homem e a frase: "Os EUA têm de olhar o mal nos olhos e não piscar jamais". A pessoa na foto é negra. Na Califórnia, um grupo do partido distribui notas falsas de dez dólares com a foto do democrata Barack Obama adornada por uma melancia, costelas de porco e frango frito, alimentos que o estereótipo racista associa aos negros nos EUA. Na quinta, em Ohio, Samuel Wurzelbacher, que ganhou 15 minutos de fama como Joe, o encanador, disse que Obama "sapateava como Sammy Davis Jr." -a gíria "sapatear", em inglês, quer dizer evitar ir direto ao assunto. A comparação com o cantor negro (1925-90) levou a blogosfera progressista a passar a acusá-lo de racista.

Por mais que ambas as campanhas tenham evitado o assunto e, se confrontadas, diminuído seu peso, o racismo permeia esta corrida presidencial americana. Qual o tamanho dele, o quanto mudou nos últimos anos nos EUA e que peso terá no dia 4 de novembro são perguntas que pesquisadores e acadêmicos tentam responder conforme o pleito se aproxima. "O racismo pode ter o peso nesse ciclo eleitoral presidencial que o aborto teve em 2000 e 2004", disse à Folha David Epstein, professor de ciência política da Universidade Columbia, de Nova York. "Deve mobilizar grupos de pessoas que normalmente não votariam [o voto nos EUA não é obrigatório] a ir às urnas votar contra Barack Obama."

No passado, plebiscitos sobre o aborto levaram grupos conservadores a sair de casa e votar, o que ajudou George W. Bush. A diferença, crê o acadêmico, autor de dois estudos sobre racismo e eleições, é que desta vez os grupos não terão força para mudar o resultado. Não há consenso sobre quão marginais seriam. Fala-se do "efeito Bradley" -cálculo feito a partir de um caso real por cientistas políticos como Paul Sniderman, de Stanford, segundo o qual negros que disputam cargos executivos nos EUA devem ter entre cinco a sete pontos descontados das pesquisas de intenção de voto.

Esse seria o total de "racistas enrustidos", que declaram um voto ao pesquisador e agem de outra maneira nas urnas. Em 1982, o democrata negro Tom Bradley liderava com folga as pesquisas para o governo da Califórnia, que disputava com o republicano branco George Deukmejian. No dia da votação, perdeu. Obama lidera os levantamentos nacionais hoje com média de 6,9 pontos. Os tempos mudaram, defende Epstein e outros. Para eles, o fato de Obama se vender como um candidato "pós-racial" e ter uma grande base de eleitores jovens para quem raça não é fator determinante faz com que o "efeito Bradley" tire apenas entre 1 e 2 pontos das pesquisas. Sniderman é cético: "Ainda há muitos racistas neste país".

Outro motivo seria a crise econômica, que "embranqueceria" Obama -o eleitor conecta McCain a Bush, a quem culpa pela situação. "A certa altura, a preocupação com a economia supera o desconforto de alguns em relação a Obama", disse Camille Zubinski Charles, especialista em questões raciais da Universidade da Pensilvânia. Como ninguém responderia à pergunta "você é racista?", levantamentos tentam medir a questão com questões indiretas, como colocar o item "raça" na lista de "fatores que o levaram a se decidir". Na Virgínia Ocidental, um dos Estados com menor índice de renda e escolaridade e a maior porcentagem de brancos (96%) dos EUA, Obama obteve seu pior resultado nas prévias partidárias, 25% ante 67% de Hillary Clinton. Indagados em pesquisa qual fator levaram mais em conta na hora de votar, 35% responderam: "raça".

É um exemplo extremo, mas não o único. Na quarta, o veterano senador democrata John Murtha, da Pensilvânia, veio a público dizer que o racismo faria com que a vitória de Obama em seu Estado fosse por uma margem mais apertada do que mostram as pesquisas. Outra forma de aferir o grau de preconceito é analisar as respostas espontâneas de eleitores democratas ou independentes como motivo para não votar em Obama. A persistência de itens como "não é igual a mim" ou "tem idéias diferentes" acende a luz vermelha. Esse tipo de medo do "diferente" foi detectado cedo pela campanha republicana e serviu de base para a onda recente de ataques negativos ao democrata. Um dos anúncios pergunta: "Quem é o verdadeiro Barack Obama?" Num dos comícios, alguém gritou: "Matem-no!"

Por conta disso, o congressista John Lewis, líder histórico dos direitos civis dos negros, comparou McCain ao governador sulista George Wallace (1919-1998), que defendia o segregacionismo. A comparação fez com que McCain pedisse retratação a Lewis e Obama. O democrata se recusou. Na única vez que tocou mais diretamente no assunto racismo, no semestre passado, Obama afirmou: "Eles vão dizer que eu não sou parecido com os presidentes nas notas de dólar".

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