domingo, 21 de dezembro de 2008

O Natal dos desempregados nos Estados Unidos

Memélia Moreira
Brasil de Fato

O cenário já começa a se tornar sombrio nas grandes cidades dos Estados Unidos. E as milhares de milhões de luzes que decoram casas e vitrines são insuficientes para trazer de volta os excitados burburinhos das compras de fim de ano. As luzes de Natal mal conseguem esconder o desalento que se espalha nas grandes cidades.

E não é para menos. Com um índice de desempregados que já ultrapassa 10 milhões de trabalhadores, os estadunidenses têm recebido um golpe atrás do outro desde as eleições presidenciais em 4 de novembro. A cada semana, o noticiário traz mais e mais informações que abalam a auto-estima da sociedade estadunidense. E a única reação até agora tem sido a perplexidade.

Aturdidos com a sucessão de fatos negativos, pouco se animam a ir às compras, hábito dos mais cultivados na população desse país onde os shoppings centers são verdadeiras catedrais do consumismo. A fuga dos consumidores obrigou o comércio a promover grandes liquidações que, em alguns casos, chegam a oferecer descontos da ordem de 70 a 80% do valor do produto. Quem está se esbaldando são os turistas, principalmente alemães, franceses, holandeses e...brasileiros.

O movimento de compras e troca de presentes está tão fraco, que a agência de Correios que mais atende brasileiros, localizada na International Drive, em Orlando, viu encalhar as 10 mil caixas que eles vendem para os clientes. Nem fila havia neste agência, às vésperas do Natal. As atendentes, todas brasileiras, informam que esse ano não foi necessário guichês extras, porque "não há tanto trabalho".

A sucessão de choques se iniciou na segunda semana de novembro quando foi anunciado o fechamento de mais 533 mil postos de trabalho em todo o país. Somados aos índices de agosto a outubro, o número atingiu aquelas marcas que se tonam memoráveis. Ou seja, 10 milhões, a maior perda de empregos dos últimos 34 anos.

De novembro até a segunda semana de dezembro, mais empresas de pequeno e médio porte fecharam suas portas, enquanto uma das grandes marcas, a Electrolux, fabricante de eletro-domésticos, anunciou a redução do número de funcionários. Ou seja, o balanço do final do ano pode chegar a 11 milhões de desempregados. Isso é a população de uma metrópole brasileira e uma megalópole nos Estados Unidos, país que se caracteriza por cidades pequenas, sendo que apenas dez ultrapassam 2 milhões de habitantes.

Armas de destruição

Logo em seguida, na terceira semana de novembro, com a cara mais lavada do mundo, o presidente George W. Bush veio a público anunciar que se "enganou" ao determinar a ocupação do Iraque, porque acreditara nos relatórios com as informações de que o Iraque armazenava armas de destruição em massa. O presidente do Estado mais poderoso do planeta não teve a mínima vergonha de confessar primeiro o grau de sua leviandade ao mandar invadir um país soberano sem certezas sobre os alvos e, segundo, deixar claro que os serviços de espionagem e proteção dos Estados Unidos são falhos e mentem para o próprio presidente.

A declaração poderia ser vista como um ato de humildade do presidente se, por trás desse ato não tivesse acontecido o massacre de mais de 100 mil pessoas, de um povo que hoje vive uma verdadeira diáspora porque seu país se tornou um campo de guerras e experiências contra a vida. E mais, a invasão do Iraque não deixa só um rastro de torturas e massacres. Ela também destruíu boa parte da história da humanidade com a derrubada de monumentos e eliminação pura e simples de manuscritos históricos.

Imaginem se Hitler, caso tivesse sobrevivido aos últimos dias de guerra viesse a público, pelo rádio e dissesse ao mundo: "Perdão, ouvintes, só agora meu serviço secreto me informou que judeus, ciganos e homosssexuais são seres humanos". Ou, então, se Ariel Sharon, depois do massacre dos palestinos em Sabra e Chatila repetisse o gesto de pedido de desculpas. Em todos estes casos, das palavras escorreriam gotas de hipocrisia.

Montadoras no limite

Dezembro já começou no sufoco. Um jogo de empurra-empurra no Congresso para saber se concediam ou não a ajuda de 14 bilhões de dólares às montadoras Chrysler, Ford e General Motors. Estava em jogo a antiga base da economia dos EUA e alguns milhões de empregos. Na noite de 11 de dezembro, o Senado rejeita a proposta de socorro financeiro, que foi aprovada finalmente nesta sexta-feira.

Por trás da rejeição, a máfia sindical estadunidense. Sim, os sindicatos, os mesmos sindicatos que durante toda essa crise se mantém a uma distância suspeita na defesa dos seus filiados, impediu a aprovação da ajuda porque ela implicava em reduzir alguns privilégios. O mais importante deles é o valor da hora trabalhada. Na maioria esmagadora das fábricas, os trabalhadores recebem 44 dólares por hora. Nas três montadoras que agora precisam de ajuda, a hora vale 72 dólares. É bom que se explique que os sindicatos jamais reivindicaram um reajuste para os demais, como se houvesse operários de primeira categoria e operários de segunda categoria, desempenhando funções semelhantes.

O impasse do pacote de 14 bilhões de dólares que ajudaria as montadoras a manter empregos pelo menos até abril de 2009 levou um dos diretores da General Motors a declarar que resta à empresa mais duas semanas de vida. Ou seja, imediatamente depois do Natal, mais desempregados podem estar perambulando pelas ruas do Estado de Michigan, onde se concentram as três montadoras.

Enquanto a Casa Branca estudava uma solução, eis que mais uma notícia negativa invade as casas dos estadunidenses. A prisão do governador de Illinos, Estado onde o presidente eleito Barack Obama fez sua carreira política. O governador, Rod Blagojevich, foi pego com a boca na botija, tentando vender o mandato de senador para quem quisesse ocupar a cadeira que foi de Obama. Nos Estados Unidos não há suplente de senador e, em caso de morte ou renúncia, o governador escolhe um senador biônico. Blagojevich, de quem Obama nunca foi muito chegado, resiste em renunciar mas, cedo ou tarde sofrerá um processo de impeachment. O fato, deprimente em si, mostrou que os Estados Unidos não se difere muito dos vizinhos do Sul que um dia já foram chamados de "repúblicas de bananas".

O Alvo

As armas de destruição em massa se transformaram numa banda de um sapato masculino arremessado pelo jornalista Muntazer al-Zaid contra a cabeça do presidente dos Estados Unidos. George W. Bush, que dentro de quatro semanas deixará a Casa Branca para sempre, com certeza esperava uma recepção calorosa dos iraquianos quando fez mais uma visita de surpresa a Bagdá. Afinal de contas, ele fora ao país ocupado por suas tropas para anunciar a retirada de seus soldados até 2011.

Nada disso, o que se viu foi um sapato voando. E o alvo era o presidente Bush que nunca mostrou tanta agilidade diante de uma situação de risco. O dono do sapato não se satisfez apenas com o gesto desesperado e ainda gritou: "É o beijo da despedida, seu cachorro". Até agora não houve protestos das sociedades protetoras de animais mas, chamar o presidente dos Estados Unidos de "cachorro" enquanto tenta acertar seu rosto com um sapato, foi um momento de extrema humilhação não apenas para Bush, mas para todos os estadunidenses. Afinal de contas, eles o elegeram há quatro anos.

O arremesso de sapato transformou o jornalista em herói e desencadeou uma nova onda protestos em Bagdá e em outras cidades do Iraque, e resume o desprezo com o qual um povo vê seus agressores.

Enfim, 2008 não foi exatamente um ano feliz para o Império. E ainda faltam alguns dias para que se encerre. Quanto às perspectivas para 2009, poucos fazem apostas. Ninguém ousa prever que medidas o próximo governo vá tomar que não seja apenas imprimir mais notas de dólares como se essa moeda de pressão fosse apenas um papel de jornal.

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