sábado, 10 de janeiro de 2009

Khaled Hroub: “O Hamas é uma reação à ocupação”

Luisa Guedes
O Globo


Nascido num campo de refugiados em Belém, na Cisjordânia, o jornalista Khaled Hroub acompanha com especial atenção a ofensiva de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza. Além de ter parentes que moram na região e visitar o território palestino com frequência, Hroub pesquisou a história do grupo islâmico, apresentada por ele no livro "Hamas - Um guia para iniciantes". Aos 43 anos, tem dividido seu tempo entre a direção do Projeto de Mídia Árabe da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, onde vive há 16 anos, a apresentação de um programa literário na TV árabe Al-Jazeera, e entrevistas em que expõe posições firmes sobre o Hamas.

Em seu livro, ele tenta mostrar o Hamas como um movimento que além da face militar realiza também um importante trabalho social e cultural. Apesar de ter a mesma origem de diversas outras organizações islâmicas e ser tão político quanto religioso, o Hamas, segundo Hroub, diferencia-se de grupos como a Jihad Islâmica e a Al-Qaeda por voltar-se essencialmente para a libertação palestina, usando a violência apenas contra a ocupação israelense.

Em entrevista por telefone, Hroub defende que os foguetes lançados pelo Hamas são uma reação a ataques israelenses e diz que a possibilidade de um acordo está nas maõs de Israel. Apesar de reconhecer que o grupo criado em 1987 é mais radical hoje do que há dois anos, quando venceu eleições, ele ainda acredita que, a longo prazo, palestinos e israelenses podem encontrar a paz com a formação de dois Estados.

O senhor nasceu num campo de refugiados palestino. Como se sente assistindo à violência na Faixa de Gaza?

Sinto-me profundamente frustrado e com raiva. Afinal, são seres humanos, é o meu povo. E não apenas para o meu povo, mas para qualquer indivíduo no mundo, é realmente triste e frustrante ver pessoas sendo mortas enquanto do lado de fora estão apenas assistindo e contando os mortos.

O Hamas aceitou uma trégua por seis meses. Qual era o objetivo dos lançamentos de foguetes imediatamente após o fim do cessar-fogo?

Mesmo durante esses seis meses, o que aconteceu, na verdade - e isso é muito pouco conhecido do lado de fora -, é que Israel continuou seus ataques contra os palestinos. Em segundo lugar, eles não abriram as passagens de fronteira de acordo com o que estava previsto na trégua. Quando os seis meses do cessar-fogo terminaram, o Hamas disse que queria renovar a trégua, mas todos os itens da trégua precisam ser implementados do lado israelense. Israel está se preparando para eleições e não tem interesse em renovar a trégua. Eles querem fortalecer sua imagem diante da opinião pública israelense, especialmente depois da derrota em 2006 para o Hezbollah. Eles conseguiram, mas às expensas de centenas de palestinos mortos e feridos que tiveram suas casas destruídas.

Então o senhor acredita que os lançamentos de foguetes são uma reação do Hamas à oposição de Israel à renovação da trégua?

Sim. Todos os foguetes foram lançados em retaliação e em resposta a um ataque israelense. Para sua informação, ao longo dos últimos oito anos, o número de israelenses mortos por foguetes do Hamas é apenas quatro. Os palestinos que foram mortos por Israel no mesmo período na Faixa de Gaza passam de 2.900.

A liderança do Hamas disse que uma vitória do movimento é possível. O senhor acredita nisso?

É muito difícil imaginar o Hamas obtendo uma vitória. O Hamas é a parte mais fraca nesse conflito e todos nós sabemos que ele está enjaulado na Faixa de Gaza e enfrentando um dos mais poderosos exércitos do mundo. Israel controla o mar, as terras, o espaço, tudo. Não dá para imaginar o Hamas vencendo militarmente, mas o Hamas pode limitar o êxito de Israel e essa é talvez a única maneira pela qual o Hamas pode sair vitorioso. Seria semelhante ao que o Hezbollah conseguiu em 2006, evitando a vitória de Israel. O Hamas sairá certamente enfraquecido militarmente, mas não estará destruído militarmente e, o mais importante, pode sair mais forte política e socialmente, em relação ao apoio popular entre os palestinos.

Israel está sendo criticado por manter a imprensa longe da Faixa de Gaza. O senhor acredita que isso ajuda o Hamas?

Eu não acredito que impedindo a imprensa internacional de estar em Gaza e cobrir as atrocidades e os massacres vai ajudar o Hamas. Pelo contrário. O Hamas, eu acho, queria que o mundo soubesse o que está acontecendo. Estão dizendo que pelo menos um terço dos mortos era criança.

Líderes do Hamas já falam em uma terceira intifada. É possível?

Acho que não, porque as condições não são favoráveis. Eles mencionaram essa intifada na Cisjordânia, onde é muito difícil uma união contra Israel na forma de uma intifada. Na primeira intifada, em 1987, e na segunda, em 2000, Israel estava em primeiro plano. Agora temos uma forma diferente de ocupação, por controle remoto. Os israelenses controlam tudo, mas não estão no local. A única coisa são os postos de controle. Estes seriam os únicos lugares onde os palestinos poderiam fazer a intifada de novo. Além disso, as forças de segurança do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, estão lá e ele não está interessado numa nova intifada.

Em seu livro, o senhor diz que o Hamas tentou, inicialmente, ser moderado, propondo inclusive uma trégua de 10 ou 20 anos. O que fez o movimento se tornar radical, mesmo depois de vencer eleições?

Na minha opinião, depois que o Hamas começou a se prepar para as eleições, ele se tornou mais moderado. Depois de vencer as eleições e formar um governo, eles se tornaram ainda mais moderados. Essa é a lógica da política. Se estão na oposição, é claro que vão defender posições mais radicais. Isso é o que aconteceu com o Hamas. Mas o Hamas de hoje é mais radical que o de dois anos atrás, porque nessa época queria formar sua imagem como um partido político, que poderia exercer diplomacia. Agora, eles foram isolados. Ninguém quer falar com eles e muitos no Hamas acreditam que é hora de retomar a resistência.

Para o Hamas, a violência é indispensável?

Não apenas para eles, mas para muitos palestinos.

Se houvesse eleições hoje em Gaza e na Cisjordânia, o Hamas venceria?

Eu tenho dúvidas. Eu acho que o Hamas perdeu parte de sua popularidade, mas ao mesmo tempo pode estar ganhando apoio de outros setores entre os palestinos. Temos que esperar. Isso vai depender do resultado final desta guerra.

No seu livro, o senhor diz que o Hamas é anti-sionista, mas não anti-judeu. Isso vale também para a população palestina?

Sim. Judeus viveram na Palestina por muitos anos pacificamente. Eles foram perseguidos na Europa e no resto do mundo e viveram na Palestina sem problemas. O problema começou quando o movimento sionista veio da Europa antes do Holocausto para estabelecer um Estado judeu. É injusto dizer que as pessoas no mundo árabe são contra os judeus. Eles odeiam israelenses, mas não os judeus. O que está acontecendo agora no Oriente é consequência dos crimes da Europa, que exportou seu próprio anti-semitismo para lá.

O senhor diz que gostaria de ver um Estado palestino secular. Isso é possível com o Hamas na liderança?

Acho que sim. Em Israel, há tantos partidos diferentes representados no Knesset. Por que não pode ser da mesma forma no caso palestino? É uma visão injusta da Palestina e dos palestinos como uma espécie diferente.

O senhor defende em seu livro que um acordo está nas mãos de Israel. Por quê?

Israel tem a supremacia, é o ator mais forte, tem um Exército capaz de destruir todos os árabes juntos, é a sociedade mais avançada no Oriente Médio e, além disso, é a força de ocupação. Quando há uma ocupação, você pede ao ocupante para sair. É injusto pressionar palestinos e israelenses da mesma forma porque se está pedindo para que as pessoas ajudem os ocupantes. Isso é ridículo. Vai contra o bom senso. É pedir que as pessoas que sofrem com a ocupação garantam a segurança dos ocupantes.

Que acordo é possível agora?

A longo prazo, a única solução possível é a de dois Estados. Ela foi aceita pelos palestinos em 1988 e até agora Israel não aceita. Aceitaram verbalmente, mas não estão fazendo nada para implementar essa solução, que está numa resolução do Conselho de Segurança (da ONU). Depois de 20 anos, Israel ainda tem apoio de Estados Unidos, da Europa, então não sofre qualquer pressão. A única solução é a comunidade internacional pressionar Israel a implementar (a resolução). Não é complicado.

O que se pode esperar para o futuro do Hamas?

A questão não é o Hamas, são os palestinos, a Palestina e a ocupação israelense. O Hamas é uma reação da ocupação israelense. Enquanto houver ocupação, mesmo que o Hamas seja destruído, haverá uma massa de grupos palestinos ainda mais radical que o Hamas.

Por que, para o senhor, o Hamas não pode ser considerado um grupo terrorista?

Eu sou contra esse termo. É um termo criado por Israel. Se você descrever um grupo criado sob a ocupação israelense, com o objetivo de lutar contra essa ocupação, como você vai considerar esse grupo como uma organização terrorista? De acordo com todas as leis, qualquer povo sob ocupação tem o direito de se defender. Os palestinos já criaram organizações marxistas, nacionalistas, islâmicas e todas elas têm uma coisa em comum: lutar contra a ocupação.

Um comentário:

Unknown disse...

Meu nome é Valdeli Coelho, sou formada em História pela Unive4sidade Estadual de Montes Claros. Mg .Brazil e mestranda em Desencolvomento Social,na ,esma Universidade. Desde os meus primeiros trabalhos de graduaçao, meu foco é o Oriente Médio religiao e seus conflitos. Hoje a kinha tese para mestrado se trata do Hamas. Inclusive li o livro do Khaled. Gostei muito.como também gostei desse artigo. Infelizmente, a mídia ocidental, acredito que nu todo mostra uma outra pspectiva dos acontecimentos naquela parte do mundo. Concordo com Khaled,quando afirma que nao cabe conceituar o HAMAS como umgrupo terrorista, pela simples razao, que nao sendo considerado um Estado legítimo,nao tendo o apoio jurídico os meo legais de se defenderem, é claro que qualquer meio utilizadopara se defenderem seroa vistos pelos outros como atos terroristas.De fato é um conceito erroneo ao meu ver, cabível de ser analizado.