sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O estado da democracia

Roberto Ciccarelli
Il Manifesto

Em um livro recente, "Démocratie, dans quel état?" (La Fabrique, 152p.), que reúne contribuições de Giorgio Agamben, Alain Badiou, Wendy Brown, Jean-Luc Nancy, Jacques Rancière e Slavoj Zizek, dentre outros, defende-se que a desagregação dos conteúdos normativos da democracia foi gerada por uma oscilação entre regime e governo, entre soberania popular e gestão econômica e administrativa daquilo que existe. A democracia em que vivemos seria uma democracia "governamental", que impõe a busca de uma alternativa. Se esse é o objetivo, então não é por acaso a escolha das contribuições que compõem esse livro, escrito por autores considerados protagonistas de uma "reviravolta" no pensamento político contemporâneo, a da chamada "democracia radical".

Os assuntos da cidade

Muitas vezes, o logotipo não é justo com a diversidade – às vezes enorme –de um fenômeno cultural, mas só às exigências do mercado editorial. Porém, pelo menos nesse caso, isso explica mais uma vez que o liberalismo ostentado pela "intelligentzia" a partir dos anos 80 é uma doutrina consumada. Por isso, é compreensível a ansiedade por novos paradigmas, mas isso não deveria remover as diferenças essenciais entre os seus protagonistas.

É notável como a busca de uma alternativa parou diante da impossibilidade de criar um sujeito político "forte". A crítica da democracia propõe uma outra estratégia para recompor esse sujeito para além dos limites da política do século XIX, fundada sobre as classes ou sobre o individualismo proprietário. Além das muitas diferenças, é justamente esse o projeto que surge do grupo que enfileira a "vida nua" de Agamben, a via "neoleninista" Zizek até a "hipótese comunista" de Badiou.

Jacques Rancière

A contribuição de Rancière, que dá sequência às considerações já desenvolvidas em "L'odio per la democrazia" (Cronopio) e em "Il disaccordo" (Meltemi), oferece motivos para se repensar e se concentra sobre o problema central desse grupo. Parece, de fato, que a teoria radical acha difícil imaginar uma subjetividade politicamente eficaz. Por uma dupla razão: de um lado, descreve a democracia como negatividade absoluta, como "significante vazio". De outro, evoca um antagonismo político permanente contra a ordem constituída. A democracia seria, assim, o resultado de uma contínua ruptura do espaço político, cujo objetivo é a destituição da sua legitimidade, mais do que a realização das possibilidades que ela exclui.

A real continuidade entre Agamben, Badiou ou Zizek não é a da continuidade contingente que localiza no modelo antagônico um relato alternativo à democracia liberal, mas sim a da vontade de atribuir ao "político" um princípio único e puro. Só que, nesses autores, a pureza nunca se dá em uma forma particular da democracia, mas na sua contínua negação. Se não fosse assim, a democracia reproduziria a confusão entre a democracia e a constituição, ou uma forma social que, para Rancière, aproxima todo o arco político da direita à extrema esquerda. Com o resultado espectral – mas nunca tão atual – de identificar a vida de uma democracia com a permanente reforma das regras que deveriam governá-la."

A democracia – escreve Rancière – é o poder daqueles que não têm nenhum título para exercer o poder, a capacidade de que qualquer um se ocupe dos assuntos da cidade". É esse o seu "escândalo": "qualquer um", cidadão ou migrante, pode aspirar ao governo. Uma pretensão que nutre o ódio dos governantes, mas que também é a demonstração de que aquele que governa não tem nenhuma razão natural para fazê-lo, e aquele que é governado não tem nenhuma razão natural para obedecer.

Uma política é democrática quando reconhece estar fundada nessa divisão não natural dos papéis. Fazendo isso, ela alimenta uma contínua renegociação dos limites do público e do privado, do político e do social, do econômico e do institucional, para resolver as desigualdades existentes, salvo se forem registradas outras novas em outros lugares.

Além do governo dos melhores

As considerações justas de Rancière ainda deixam uma dúvida. A sua versão da política democrática reavalia o aspecto constituinte do conflito, enquanto produtor de uma distribuição igualitária dos papéis contra a lógica hierárquica da democracia. O ponto é que esse conflito ocorre desde a polis grega, em uma espaço político que é sempre igual a si mesmo e, por isso, não é muito diferente do formalismo jurídico do qual toma distância.

Contrariamente ao que Michel Foucault defende, que forneceu uma versão imanente da política democrática fundada na diferença e não na igualdade, a negatividade transcendental, que Rancière critica enquanto expressão das aporias do antagonismo democrata-radical, permanece também no seu sistema. Mesmo tendo identificado o lugar em que se desenvolve o conflito da democracia – a repartição dos papéis entre governantes e governados –, ele não explica como se forma o conflito e por que seria diferente dos anteriores.

Distante de uma visão trágica da política como "decisionismo" ou, pior, como técnica administrativa, o pensamento de Rancière denuncia a tentação elitista difundida na cultura política contemporânea, para a qual a democracia é naturalmente o "governo dos melhores". Mas não foge do problema, este sim epocal, de como tornar efetivo o sujeito da política democrática.

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