quarta-feira, 7 de abril de 2010

Otimismo e pessimismo

Umberto Cerroni
Gramsci e o Brasil

A primeira metade do século XX está repleta de ativismo, tanto na teoria quanto na prática: pensa-se difusamente que agir signifique conhecer e mesmo que a ação deva substituir o conhecimento: por isso, todos se dizem “revolucionários”, dos anarquistas aos fascistas. Este primado da ação derivava de duas matrizes: o mito do progresso alimentado pelo positivismo e a carga negativa acumulada nos povos europeus contra os velhos regimes oligárquicos. Daí resultava uma mistura singular, feita de irracionalismo e de entusiasmo, de niilismo agressivo em relação ao passado e de autoprojeção irrefletida para o futuro. Os mitos tecnicistas do positivismo se misturavam com a última vaga do romantismo. Só as terríveis experiências de duas guerras mundiais encaminhariam a cura. A mudança exigirá um projeto.

Gramsci condensa sua proposta na célebre frase: “pessimismo da inteligência, otimismo da vontade”. Ela, mais do que um aforismo, é a tentativa de conjugar de modo novo razão e vontade, criticismo coerente e capacidade de incidir nos processos reais do mundo. Em primeiro lugar, Gramsci busca concentrar a atenção no elo que reúne passado e futuro, isto é, no presente. Rejeita, tanto na teoria quanto na prática, o estilo de “sonhar de olhos abertos e de fantasiar”, que é um estilo altamente consolatório. Para tal estilo, “tudo é fácil. Pode-se tudo aquilo que se quer e se quer toda uma série de coisas que não se possui no presente. No fundo, é o presente invertido que se projeta no futuro. Tudo o que é reprimido se desencadeia. É preciso, ao contrário, dirigir violentamente a atenção para o presente assim como é, se se quer transformá-lo”. Mas o presente também é, precisamente, o passado tal como se cristalizou seja nas relações e nas instituições sociais, seja na psicologia dos indivíduos. Daí a necessidade, para quem quer que queira mudar o presente, de estudar o passado.

Este estudo ilumina as raízes do presente, sua complexidade e sua “resistência”, e assinala, por isso, a dificuldade da tarefa de transformá-lo. De certo modo, a vontade de mudar escapa ao indivíduo e, por assim dizer, objetiva-se e racionaliza-se identificando os processos históricos que devem ser mudados para que o presente mude e para que os indivíduos mudem. Este é o momento do “pessimismo da razão”, a qual não simplifica, mas, pelo contrário, complica a ação, mostrando a espessura do problema a ser resolvido.

No entanto, precisamente esta reflexão crítica acentua – deve-se presumir – a necessidade da mudança e multiplica assim não só as motivações teóricas mas também os impulsos morais e o interesse na mudança. Equivoca-se a ciência política – diz Gramsci – quando abstrai o elemento vontade do fim a que se aplica uma vontade determinada. Enquanto a exortação abstrata do general ao soldado redunda em retórica, a percepção racional do fim a ser alcançado reforça e tensiona a vontade. Daí a aversão de Gramsci ao “cadornismo” e, em geral, a toda técnica pura de comando, e daí a importância que atribui à cultura como capacidade de compreender os fins e, assim, de concentrar as energias sobre os meios capazes de obtê-los. Neste quadro, o otimismo muitas vezes se revela apenas “um modo de defender a preguiça, as próprias irresponsabilidades, a vontade não fazer nada”. Compreende-se que “é também uma forma de fatalismo, de mecanicismo”. O pessimismo, ao contrário, responsabiliza.

Contra os modelos retóricos, tardo-românticos do herói-aventureiro, do chefe onisciente, da ação como desafio entusiástico, imprudente e bizarro, Gramsci propõe um ideal bastante diferente: “É necessário criar homens sóbrios, pacientes, que não se desesperem diante dos piores horrores e não se exaltem em face de qualquer tolice”. Isto também preveniria, em política, o perigo oposto do moralismo isolacionista: “Os moralizadores – escreve Gramsci – caem no mais tolo pessimismo, já que suas prédicas deixam as coisas como estão”. Só a explicação racional dos processos pode produzir uma ação incisiva, uma vontade inflexível. Isto vale tanto para a política quanto para a ética de cada um. E vale, em geral, para o próprio destino da civilização. Escreve Gramsci: “Devemos salvar o Ocidente integral; todo o conhecimento e toda a ação”. A cultura, de fato, é mediação articulada de conhecimento e de ação.

Nos anos 1930, pois, Gramsci submete a um atento controle crítico dois temas essenciais da civilização moderna: o racionalismo herdado do iluminismo e o voluntarismo herdado do romantismo. Do primeiro, elimina o elemento cético e implicitamente dogmático, aristocrático, estetizante. Do segundo, elimina o elemento irrefletido, individualista, desordenado. Assim, Gramsci formula problemas novos, relativos à fundação de uma ciência política que se identifique com a ciência da sociedade, bem como de uma ética da responsabilidade socialmente enraizada. Estamos, de fato, na véspera da sociedade de massas, na qual a razão é chamada a explicar complexas conexões humanas e na qual grandes sentimentos só podem nascer da profundidade de interesses vitais e difusos. Estamos numa época de grandes movimentos de massas e do sufrágio universal: é preciso estimular tanto um crescimento geral do conhecimento social quanto da nossa responsabilidade política comum.

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