sábado, 10 de abril de 2010

Portugal: A crise não acabou


Luis Leiria
Esquerda.net

Nesta Primavera que finalmente parece ter chegado a Portugal, depois de um Inverno particularmente chuvoso, as notícias no front econômico não são nem um pouco animadoras. Depois de uma recuperação muito diminuta, que nem chegou para inverter o catastrófico crescimento do desemprego (que já atinge os 10%), o país voltou ter uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,2% no 4º trimestre de 2009, e o temor de um regresso à recessão voltou a ganhar forma. Foi uma má notícia para o governo do primeiro-ministro José Sócrates, do Partido Socialista, que se vangloriava de Portugal estar entre os países europeus que mais cedo saíram da “recessão técnica”.

No final de Março, o Banco de Portugal reviu em baixa as previsões de crescimento da economia portuguesa. O banco central português prevê agora um crescimento de 0,4% do PIB em 2010, quando a previsão anterior era de crescimento de 0,7%. Para 2011, a previsão é de um crescimento de 0,8%, contra os 1,4% da projecção anterior. Pior, o banco prevê que "o ritmo limitado do crescimento da atividade econômica permite antecipar que a destruição líquida de emprego deva perdurar durante 2010”. Isto é, o desemprego vai continuar a aumentar, e o banco só espera uma ligeira redução do desemprego no decurso de 2011.

Cansados de receber más notícias, os portugueses não divisam qualquer luz no final do túnel. Depois de ter gasto rios de dinheiro para impedir a falência de bancos envolvidos em operações financeiras fraudulentas, como o Banco Português de Negócios (BPN), que foi nacionalizado no apogeu da crise financeira, o governo voltou agora à obsessão do controlo do déficit.

Tirar dos pobres e dar aos ricos

Como, desde as últimas eleições gerais de Setembro do ano passado, o Partido Socialista não tem maioria absoluta no Parlamento, optou por fazer uma aliança com os partidos à sua direita, o PSD e o CDS, para aprovar o Orçamento de Estado e agora o tão falado Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC). O PEC é uma declaração de intenções, apresentada à União Européia, em que o governo português se compromete a baixar o seu défice público dos actuais 9,3% do PIB para os 2,8% até 2013. A fórmula para isto é o estafado receituário neoliberal.

O plano do governo de José Sócrates – que foi aprovado apenas com os votos do PS mas recebeu a abstenção cúmplice do PSD – abandona o combate à pobreza, corta nos apoios sociais aos mais desfavorecidos, impõe a redução dos salários reais, manterá altíssimos níveis de desemprego. A par disso, estende as parcerias público-privadas, uma forma de entregar de mão beijada mais-valias ao capital privado; despreza o combate à fuga ao fisco por parte das empresas e promete maior entrega de bens públicos aos privados.

Para resumir, não é um plano de redução de despesas, é um plano para tirar aos pobres e dar aos ricos. Para capitular às pressões externas e dos setores econômicos e financeiros mais poderosos, o PS fez uma escolha: a do abandono das promessas eleitorais, o abandono de ideais defendidos, como o combate à pobreza e às desigualdades sociais.

Privatizações: venda ao desbarato

O caso das privatizações anunciadas é particularmente escandaloso. Diz o governo que pretende realizar, com a venda de cerca de 20 empresas, cerca de 6 bilhões de euros, “uma venda ao desbarato, qual feira onde tudo se pode comprar a preços de saldo”, como denunciou o deputado Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda – o partido mais à esquerda do arco parlamentar, que teve 9,8% nas últimas eleições.

O Bloco de Esquerda denunciou que a maior parte das empresas que surge na lista das privatizações é lucrativa. Fazendo as contas, as empresas lucrativas que o governo quer privatizar tiveram resultados líquidos positivos em 2009 no valor de 350 bilhões de euros, "que é mais do dobro do que o governo pretende poupar" privatizando-as.

Mas não se trata apenas de maus negócios. Pela primeira vez, o governo pretende privatizar diretamente empresas que prestam serviço público, que até agora eram providos exclusivamente pelo Estado – como os transportes ferroviários ou os Correios.

Finalmente, as medidas anunciadas pelo plano correm o risco de matar qualquer princípio de recuperação econômica. O próprio governo já admite um cenário econômico pífio para a economia (com um crescimento do PIB sempre inferior aos 2 por cento (0,7% em 2010, 0,9% em 2011, 1,3% por cento em 2012 e 1,7% em 2013), a previsão mais baixa de crescimento entre os países da União Européia.

A oposição política e social a este PEC já começou, pela apresentação de alternativas e o voto contra no parlamento, pelas greves e protestos sociais dos funcionários públicos e dos trabalhadores de outras empresas e sectores. A Primavera promete esquentar.

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