quarta-feira, 21 de março de 2012

França: O regresso da social-democracia pode esperar

Jorge Costa
Esquerda.net

Em França, o candidato do PS vai à frente nas sondagens. Há quem veja um sinal de esperança para a Europa. Pelo contrário, François Hollande desfaz ilusões.

Hollande liderou o PS durante 11 anos e conhece a fundo as responsabilidades da social-democracia francesa na deriva austeritária europeia. Talvez por isso mesmo a imprensa internacional tenha mostrado pouca crença nas gesticulações do candidato socialista no seu arranque de campanha. François Hollande anunciou que ia impor uma renegociação do tratado orçamental europeu e designou o poder financeiro como seu principal adversário. Merkel organizou então um boicote dos governantes de direita a encontros bilaterais com Hollande na pré-campanha. Foi o que bastou para a febre esquerdista inicial começasse a passar ainda antes dos votos. Já em Fevereiro, durante uma visita a Londres, François Hollande fez questão de sossegar as hostes liberais: "a esquerda esteve no governo durante 15 anos, durante os quais liberalizámos a economia e abrimos os mercados à finança e às privatizações. Não há razões para medos”.

À medida que se aproximam as eleições de 22 de abril, Hollande continua a arrefecer os ânimos. A dupla Merkozy pode bem ser substituída pelo mutante Merlande - a Europa mal dará pela diferença. De facto, em entrevista recente ao Der Spiegel, o socialista sublinha que o seu programa inclui o défice de 3% em 2013 e de 0% no final do mandato, em 2017. E defende as sanções automáticas contra países que não cumpram o orçamento austeritário. Com a veemência de um António José Seguro, recusa mesmo a inscrição do limite ao défice na Constituição da República… sem deixar de o consagrar em lei para a redução anual do défice. Quanto aos eurobonds, que deixam Merkel de cabelos em pé, Hollande fia mais fino: “Não quero ‘eurobonds’ que sirvam para mutualizar toda a dívida dos países da Zona Euro. Esses só podem funcionar no longo prazo. Quero ‘eurobonds’ que sirvam para financiar projetos de investimento específicos orientados para o crescimento. Não é a mesma coisa. Chamemos-lhes ‘project bonds’”…

Na política europeia, sobra apenas a crítica à intervenção do Tribunal Europeu de Justiça nos orçamentos nacionais. Montanhas maiores já pariram ratos mais pequenos. Como recorda o economista Frederic Lordon, o socialista Lionel Jospin jurava na sua campanha eleitoral de 1997 que não ratificaria o tratado de Amesterdão se não se verificassem três condições indispensáveis: um governo económico para compensar o peso do BCE independente, um reequilíbrio da futura paridade do euro e uma renegociação do pacto de estabilidade. As três condições desapareceram do cenário depois de duas semanas (de um governo que até incluía o PCF)...

A roda verde do carro liberal

Além da ortodoxia quanto ao défice e da posição encolhida sobre os eurobonds, François Hollande desdobra-se em demonstrações de conformidade com o diktat da finança. Mesmo nos pontos programáticos mais “à esquerda”: ao prometer 150 mil novos empregos para jovens, reduz para metade a proposta do programa do PSF; os 60 mil “novos empregos na educação” são afinal movimentos no quadro, sob a condição de não gastar mais e não aumentar o número total de funcionários. Onde alguém sonhou ver o regresso da social-democracia europeia, o programa de Hollande apenas deixa o silêncio sobre aumentos dos salários baixos ou das pensões.

Só por si, esta “resposta à crise” já seria bastante penosa para quem quisesse explicar a aliança dos Verdes a este programa. Mas se virmos o que diz Hollande nos capítulos do nuclear e da defesa, a coisa torna-se “deplorável”, nas palavras de Jean-Luc Mellenchon, o candidato da Frente de Esquerda.

Os Verdes fundaram-se sobre o princípio da saída do nuclear e da recusa do militarismo. Mas hoje, em troca da reserva de algumas circunscrições nas eleições legislativas, apoiam um candidato socialista que garante que “o orçamento da Defesa não será utilizado como uma variável de ajustamento”. Por outro lado, um ano depois da catástrofe de Fukushima, François Hollande recusa a mínima referência ao abandono do nuclear, limitando-se a prometer a redução da produção desta energia de 75% para 50% do total… em 2025. A decadência dos Verdes é sintetizada por Hollande na questão armamento atómico: “eu serei o garante da capacidade de dissuasão nuclear da França”.

Durante a sua visita a Londres, François Hollande assegurou que a sua visão da regulação dos mercados financeiros não vai além daquela que Barack Obama anunciou ao Congresso dos Estados Unidos: "pode dizer-se que eu e Obama temos os mesmos conselheiros".

Aqueles que se encantaram com a campanha eleitoral de Obama e depois acordaram com a sua gestão da crise, podem hoje olhar para a equipa económica de Hollande (orador menos competente) para ver quem vai mandar no dia seguinte. Entre os seus principais conselheiros económicos está muita da fina flor do poder financeiro francês que dirigiu a crise europeia até agora: Elie Cohen, administrador no grupo EDF - Electricidade de França), Jean-Hervé Lorenzi (administrador dos seguros BNP Paribas e da Companhia financeira Rothschild), Emanuel Macron (Banco Rothschild), Stéphane Boujnah (patrão do Santander França), Jean-Paul Fitoussi (presidente da sub-comissão da Comissão da ONU sobre a reforma do sistema monetário e financeiro e administrador da financeira italiana Sanpaolo IMI, da Telecom Italia e da Banca Sella).

Nada mau, para quem parte em campanha contra o poder financeiro. No que depender destas figuras e do candidato que “aconselham”, o anúncio da ressurreição da social-democracia é um pouco exagerado. Como sempre, os povos da Europa dependem totalmente da sua capacidade de luta. Só uma nova relação de forças social pode refundar a Europa e, nesse processo, a própria esquerda europeia.

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