domingo, 22 de abril de 2012

França, um país dividido, vai às urnas

Andrew Husseydo
The Guardian

Um dos paradoxos fundamentais da vida na França é que, apesar de os franceses se gabarem de serem a nação mais civilizada do mundo, eles tendem a mergulhar em ataques dilacerantes de baixa autoestima. Chegam a ter um termo para descrever essa síndrome: é "le malaise français". Na verdade é um pouco difícil traduzir a frase, mas seu significado aproximado é "o mal-estar na França".

Os sintomas geralmente aparecem antes de uma eleição importante e são sempre os mesmos: muitos debates na televisão e artigos de revista sobre a infelicidade geral da nação, muita angústia pública sobre a dúvida de se a França ainda é importante para o mundo. Políticos entram na discussão para tentar propor soluções. Ninguém acredita realmente neles. Nada nesse quesito mudou este ano, fato que não surpreende, no momento em que o país se prepara para a última semana antes das eleições presidenciais.

Na realidade, o estado de ânimo que vem definindo a campanha, até agora, é o tédio. Isso não quer dizer que a política não seja importante na França. Pelo contrário: o escândalo sexual Dominique Strauss-Kahn (DSK), a intervenção na Líbia e a maré crescente de suicídios provocados pelo desemprego, todos vêm prendendo a atenção do país nos últimos meses. Nas semanas recentes, o assassinato selvagem de soldados norte-africanos e de um pai e crianças judeus em Toulouse por um fanático islâmico de nacionalidade francesa e origem argelina mergulhou o país em sofrimento, evocando memórias reprimidas da história colonial francesa e do antissemitismo.

E há questões enormes em jogo nestas eleições. Para começo de conversa, a economia francesa se encaminha para uma crise de grandes proporções. A solução proposta por Nicolas Sarkozy para isso está no protecionismo e em ataques aos exilados fiscais franceses, enquanto o principal candidato da oposição, François Hollande, promete uma ampliação maciça do Estado, a elevação da idade de aposentadoria e um imposto potencialmente devastador de 75% sobre os ricos.

Nenhum lado até agora convenceu o eleitorado de que essas possam ser soluções reais, e não meros desejos expressos como planos. Enquanto isso, as mortes em Toulouse levaram a segurança e o islamismo para o topo da agenda. Inevitavelmente, vozes estridentes na extrema esquerda e extrema direita vêm pedindo, respectivamente, mais controle pelo Estado ou mais repressão aos imigrantes. Mas a verdade é que, enquanto a eleição se aproxima, ninguém da classe política francesa parece saber o que fazer com a França.

Isso não quer dizer que a política tenha ficado em segundo plano. Mais notavelmente, nos últimos anos vem ocorrendo uma mudança nova na cultura política francesa. O que vem mais ao caso é que desde o século 19 a França é o país mais centralizado da Europa, com todo o controle administrativo, financeiro e cultural baseado em Paris.

Nos últimos dez anos, contudo, essa centralização parece estar diminuindo, na medida em que trens de alta velocidade, novos aeroportos e novas conexões vêm conferindo novas identidades nacionais e internacionais às províncias francesas. Os franceses podem estar entediados com seus líderes, mas fora de Paris ainda é possível encontrar a autoconfiança e energia que estão reconstruindo o país.

Nas últimas semanas venho percorrendo a França, procurando entender tudo isso, no momento em que o país se prepara para as eleições. Visitei Marselha, Lyon e Lille, viajando do sul para o norte, do Le Midi (Mediterrâneo) para La Manche (o canal da Mancha), retornando ao final para Paris, onde vivo.

Queria ver em primeira mão as transformações que vinham ocorrendo nessas cidades chaves de província --cidades que eu pensava já conhecer muito bem-- que terão um papel crucial nas eleições. Queria fazer uma foto da nova revolução francesa: a revolta das províncias contra Paris.

Marselha

Comecei em Marselha, para onde fui de carro, partindo de Paris e passando pela região central da Provença. No início da primavera, as colinas cinzentas e azuis estão prestes a explodir nas cores gloriosas de uma pintura de Cézanne. Fui a Marselha, porém, porque ela se orgulha da reputação que tem na França: de ser uma cidade inegavelmente de classe trabalhadora, sem tempo para pretensões, o oposto do elitismo e esnobismo parisienses.

Os cidadãos de Marselha são desprezados pelos parisienses, que os veem como sentimentalistas preguiçosos e que falam com sotaque esdrúxulo: mesmo que fosse apenas por isso, eles poderiam quase ser os "moradores de Liverpool" da França. Mas os marselheses se veem como pessoas espirituosas, cheias de autoconfiança e cuja missão na vida é acabar com o papo furado. A hostilidade entre Paris e Marselha não é apenas uma constante do futebol francês --é também uma realidade política.

Assim, não surpreende que não seja difícil encontrar pessoas em Marselha para quem sua cidade é a capital real da França, ou, pelo menos, a capital da França "real", fora dos limites repudiados de Paris. "O povo de Marselha é autêntico", explicou Olivier Vinet, homem na casa dos 40 anos que administra uma empresa de software mas, na tarde em que conversamos, está curtindo o sol num terraço de café no porto velho.

"Você não precisa gostar do que falam os marselheses, mas pode ter certeza que eles falam a sério." Vinet não é natural de Marselha --mudou-se para cá alguns meses atrás e apaixonou-se instantaneamente pelo lugar. Ele hoje prefere Marselha a Paris, onde vivia antes.

Vinet captou uma verdade em relação ao lugar. Marselha é uma cidade muito fácil de se gostar, principalmente por todas as razões pelas quais os parisienses a desprezam. Ela é pouco polida, e os marselheses têm atitude de sobra. Mas a cidade também possui estilo e uma certa elegância desarrumada. Uma das melhores coisas a fazer em Marselha num dia ensolarado de primavera é caminhar até a beira d'água, no Quai des Belges.

Os cafés um pouco sujos desta área cheiram a "pastis" (um aperitivo com anis) e peixe --os peixes recém-pescados ainda são descarregados nos cais todas as manhãs. À medida que você se aproxima do porto, o ruído do trânsito da cidade vai diminuindo, dando lugar ao som de água batendo suavemente no cais. Esta é uma cidade voltada ao sul. A próxima parada é a África.

Durante décadas, porém, Marselha também vem sendo temida e desprezada pelos parisienses, vista como uma cidade mais "africana", ou pelo menos mais norte-africana, que europeia. Na imaginação parisiense, isso significa um lugar corrupto, comandado por criminosos e perigoso de se visitar. Hoje em dia as autoridades municipais fazem questão de afirmar que Marselha foi faxinada em todos os sentidos. É verdade: as ruas encardidas estão um pouco menos encardidas, e o índice de criminalidade, como declaram as autoridades, não é pior que o de qualquer outra cidade. Mas Marselha também tem ambições grandiosas de tornar-se uma capital da arte, do futebol e do turismo: uma "Barcelona francesa".

O próximo grande passo em direção a isso é "Marselha 2013", quando a cidade se tornará Capital Europeia da Cultura. Numa linda tarde primavera, conversei com Julie Chénot, a quem foi confiada essa incumbência difícil. Ela vem viajando com frequência para Argel e, num acaso intrigante, para minha cidade natal, Liverpool.

"Tenho ido a Argel porque, como você sabe, Marselha tem uma população argelina grande e Argel é um lugar realmente lindo, a cidade irmã de Marselha." Chénot me diz isso enquanto estamos sentados em seu gabinete na Maison Diamantée, uma mansão restaurada do século 16 e que dá para o porto velho.

Se ela gostou tanto assim de Argel, o que descobriu em Liverpool, nossa controversa capital da cultura em 2008? Chénot hesita. "Não muita coisa", confessa. "Marselha e Liverpool são de classe trabalhadora, mas na realidade são muito diferentes. Mersey não é o Mediterrâneo."

É difícil dizer o contrário, pensei mais tarde, enquanto caminhava ao sol até o porto agora reluzente, restaurado de sua condição decadente anterior. Mas os marselheses são cínicos --logo, enxergam Marselha 2013 com enorme ceticismo. A pouca distância daqui fica o Bar des Sports, onde torcedores estão se reunindo para acompanhar a grande partida desta noite entre o Olympique de Marselha e o Evian, da primeira liga francesa. A primeira coisa que observo ao entrar é que todo o mundo está fumando. Não apenas fumando furtivamente no terraço ou perto da porta, mas agitando grandes cigarros no meio do recinto.

O cigarro é proibido oficialmente nos cafés, bares e restaurantes da França desde 2008, mas ninguém aqui se importa. Quando eu mesmo acendo um cigarro, tenho uma sensação estranha de estar voltando atrás no tempo para um mundo mais livre, se bem que menos saudável. Pergunto ao barman, Samy, tunisiano, sobre sua atitude de descaso em relação à lei. "Estamos em Marselha", diz ele. "A lei sempre é flexível. Além disso, para que serve um bar onde não se pode fumar?"

Seus fregueses concordam. Quando falo em Marselha como capital da cultura, os fumantes tossem e se engasgam de tanto rir. "É uma piada", fala Laurent enquanto acompanha a partida. "Qual é a finalidade disso tudo? Não é a cultura de Marselha."

Pergunto então qual é a cultura de Marselha. "Bem, para começar, não somos parisienses --não somos esnobes. Somos 'ringards' [cafonas, antiquados] e gostamos de ser assim", disse ele. Olhando para as pessoas no bar --cigarros, futebol, bebida, homens de moletom--, entendi exatamente o que Laurent queria dizer. Isto daqui é o extremo oposto do cool metropolitano parisiense. É uma forma estranha de rebelião, mas, com um cigarro numa mão e um "pastis" no outro, você acaba entendo como funciona.

Lyon

Meu destino seguinte foi Lyon, que tem fama de ser a cidade mais burguesa e certinha da França. Boa parte dessa fama é merecida. Lyon é uma cidade bonita, com um bairro medieval agradável. Mas ela sempre foi um lugar muito voltado para seu próprio umbigo, satisfeita em não desafiar Paris muito diretamente nem na arte, nem na política. Lyon é famosa, na realidade, pela comida, mas mesmo sua culinária, que se anuncia como sendo a melhor da França, é feita de pratos robustos e caseiros arquitetados com sangue, tripas, "andouillettes" e "quenelles", encarnando uma visão oitocentista de felicidade provinciana, e não qualquer coisa muito cosmopolita.

Até pouco tempo atrás a cidade frequentemente era descrita como "Lyon Negra", devido à sujeira que recobria seus prédios, de outro modo elegantes. Essa sujeira encardida já foi raspada, e o centro de Lyon agora é arejado e iluminado, com bondes novos e bicicletas para alugar.

Conversei com Thierry Frémaux sobre essas mudanças. Dinâmico e espirituoso, Frémaux, de 51 anos, não apenas é diretor do prestigioso museu de cinema de Lyon, o Institut Lumière, in Lyon, mas também do festival de cinema de Cannes. Por todas essas razões, é um dos lioneses mais destacados dos tempos recentes. Frémaux critica a visão de monotonia que se tem da cidade e manifesta otimismo cauteloso em relação à "nova Lyon".

"Pouco a pouco estamos tomando consciência de que nem sempre precisamos de Paris", ele me disse. "Podemos voar diretamente de Lyon a Nova York ou tomar um trem de Lyon a Milão ou Munique. Lyon não era assim quando eu era jovem, mas agora a cidade está se abrindo." Frémaux tem sua base familiar em Lyon e viaja pelo mundo partindo daqui. "O século 21 é assombroso", disse ele. "Posso estar em Los Angeles ou Londres, ou caminhando com minha família num parque em Lyon, e tudo está interligado."

Também Lyon tem ambições de tornar-se a "Barcelona francesa". Mas, não obstante as transformações grandes, a cidade se esforça para despir-se da reputação de ser baluarte da extrema direita. Essa questão veio à tona com força quando a Universidade de Lyon 3 foi investigada pelo governo em 2004, depois de alegações de que desde os anos 1980 seus acadêmicos endossavam teses doutorais negacionistas --ou seja, trabalhos que "negavam" a realidade do Holocausto. O fato de Bruno Gollnisch, a figura número dois na Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen, ser um administrador sênior da universidade não beneficiou a reputação da instituição. Era um pouco como ter David Irving como pró-reitor da Universidade de Manchester.

A investigação de 2004 foi inconclusiva, mas a universidade vem tendo que esforçar-se muito para afastar essa reputação. É verdade que quando cheguei aqui para estudar nos anos 1980 --eu, um esquerdista, leitor da "NME" e fã dos Smiths--, achei simplesmente inacreditável o racismo profundo de outros estudantes. Apesar de toda sua aparência burguesa, Lyon era na época e ainda é hoje um lugar bastante violento --muito mais que Marselha, em minha experiência. Foi aqui que aconteceram os primeiros grandes tumultos raciais de 1984, não em Paris.

Fui de bicicleta até um café no bairro de Saint-Jean e bati papo com o barman Benjamin, estudante na Lyon 3. Eu queria saber o que havia mudado desde meus tempos de estudante na universidade. Benjamin disse que não era racista, e acreditei nele, mas que ainda existe uma cultura do ódio aqui. "Lyon é muito complicada", ele disse. "A política daqui não é como em Paris. Somos uma cultura local. As coisas demoram a mudar."

Conversei com dois jovens árabes, um tunisiano e um argelino, que passavam o tempo no bairro de La Guillotière, perto da universidade. Eu vivi ali nos anos 1980, quando a área era notória por sua população imigrante, alto índice de criminalidade e brigas entre estudantes e imigrantes. Ela passou por algumas reformas, mas nem tantas assim: os prédios decadentes do século 19 continuam ali.

Perguntei aos dois rapazes, que trajavam roupas brancas de hip-hop, sobre o racismo em Lyon. "É questão de brigar", falou Mohamed, o argelino. "Os estudantes 'fachos' [fascistas] de lá [apontando para a universidade] brigam com a gente, então nós brigamos com eles."

Rachid, o tunisiano, concordou. "Temos o direito de estar aqui. Este país também é nosso." Mohamed acrescentou: "Se for preciso, vamos dar aos racistas franceses uma aula de bons modos e respeito". Embora Lyon esteja abrindo mão de seu isolamento e sua deferência com relação a Paris, ainda é um lugar racialmente dividido, e ainda é uma obra em progresso à qual falta muito para tornar-se uma cidade verdadeiramente cosmopolita.


Lille

No dia seguinte tomei o trem até Lille. Eu estava ansioso por esta parte da viagem. Sempre gostei do norte da França. É uma região que muitos franceses menosprezam. Na realidade, eles têm em relação a esta parte da França mais ou menos os mesmos estereótipos que nós, ingleses, temos em relação ao norte da Inglaterra: pensam em pilhas de escória da mineração de carvão, muita chuva e sotaques incompreensíveis.

Mas esta é também uma terra fronteiriça. Lille fica a apenas 15 quilômetros da Bélgica, e a maioria de seus habitantes sente que tem mais em comum com seus "primos" de Liège ou Bruxelas que com os parisienses. A aparência e o ambiente de Lille são nitidamente setentrionais. Vim de Paris, a apenas uma hora de distância pelo trem rápido, e, quando desci na bonita estação central, um prédio do século 19, as primeiras coisas que chamaram minha atenção foram os tijolinhos vermelhos, os bondes e o céu cinza. Quase como Manchester ou Bruxelas: uma cidade bonita, erguida com base em trabalho árduo e bons negócios.

Os habitantes de Lille sempre tiveram vergonha de sua cidade. "Por muito tempo, tudo em Lille era feio, ou, pelo menos, era o que eu pensava", me disse Grégoir Morel, professor assistente na universidade, agora em franca expansão. "Quando íamos a outras partes da França, sentíamos que nossa cidade não merecia fazer parte do país. Mas hoje é um lugar do qual temos orgulho."

Muita coisa mudou em Lille com a chegada do Eurostar. A economia melhorou; houve uma proliferação de cafés e restaurantes, para fazer frente ao aumento do turismo. Um estudante de jornalismo chamado Edouard que passava pelo lugar nos ouviu conversando em inglês e me disse que prefere Londres a Paris: "O povo é mais como nós", explicou. "Os londrinos são mais descontraídos que os parisienses. É fácil se sentir em casa em Londres. De qualquer maneira, estamos mais perto de La Manche que da 'périphérique' (o anel rodoviário em volta de Paris)."

A nova autoconfiança de Lille, e do norte do país de maneira geral, também deve muito à popularidade de um filme de 2008 intitulado "Bienvenue chez les Ch'tis", título que pode ser traduzido como "seja bem-vindo entre os nortistas". O termo "ch'ti" é uma gíria que indica nortista e é derivado do dialeto da região, chamado "chitimi". O filme é uma comédia em que um francês do sul do país fica horrorizado quando sua empresa o manda viver e trabalhar entre os ch'tis. Mas, apesar da chuva e dos sotaques esdrúxulos, as coisas acabam dando certo; os ch'tis revelam ser gente divertida e amável, que apenas fala de um jeito estranho.

O sucesso do filme dotou Lille de alguma autoconfiança. Hoje é possível tomar cerveja Ch'ti no Café Ch'ti, enquanto você lê a revista de classificados chamada "Le Ch'ti". "Temos orgulho de ser ch'tis", me diz a estudante de administração Aurélie numa recepção elegante oferecida na sede da prefeitura para promover a revista. "Não nos envergonhamos mais de não estarmos em Paris e não precisamos pensar como pensam os parisienses."

Pedi a ela que falasse com o sotaque ch'ti --Aurélie tinha sotaque bastante fino--, e ela falou em uma espécie de imitação canhestra de algo que, para mim, soava como francês medieval. Perguntei se as pessoas realmente falam desse jeito. "Não muitas", ela respondeu, "mas, se você sabe falar assim, isso é visto como bacana."

O norte da França pode ter se tornado oficialmente chique, mas ainda tem seus problemas. A 15 minutos de distância do centro arrumado de Lille, em volta da estação de metrô Gambetta, o ambiente é como o de qualquer cidade pobre do norte da Inglaterra. A praça principal cheira a urina e gasolina e é percorrida por bebedores de aparência perigosa, segurando latas de cerveja extraforte e as coleiras de seus cães, de aparência ainda mais perigosa. Vim para cá para conversar com o rapper Kamini, que vive aqui, sobre como foi crescer negro no norte do país.

"Foi mais fácil do que as pessoas imaginam", ele disse enquanto nos acomodávamos em seu estúdio. "O norte sempre foi pobre, então as pessoas se unem para enfrentar as dificuldades. Agora Lille está melhor, financeiramente falando, mas ainda nos interessamos mais por nossos vizinhos e amigos do que é o costume na capital."

Mas ainda falta muito para esta região superar os demônios gêmeos da pobreza e do desemprego. A apenas 20 minutos de trem de Lille fica Roubaix --a cidade mais pobre da França, cujo filho mais célebre é Lionel Dumont, ex-soldado branco, de classe trabalhadora, que cumpre 30 anos de prisão por ter se filiado à Al Qaeda. Dumont afirma que declarou guerra à França, e a imprensa o chama de "o ch'ti islâmico", sem ironia evidente.

Nesse mesmo veio, o novo senso de orgulho e solidariedade dos ch'tis vem sendo muito ironizado pelos outros franceses, especialmente os parisienses. Este fato chamou a atenção do público e dos tribunais quando, em 2008, durante uma partida contra o grande time nortista Lens, torcedores do Paris Saint-Germain abriram uma faixa que dizia "Pédophiles, chômeurs, consanguins: bienvenue chez les Ch'tis" (pedófilos, desempregados e endógamos, sejam bem-vindos entre os ch'tis). Os torcedores responsáveis foram multados por causar ofensa, mas o advogado deles argumentou que "eles tinham o direito ao mau gosto". O resto da França achou graça.

Gostei muito de Lille, entre outras razões pelo ambiente ligeiramente bagunceiro mas genuinamente caloroso nos cafés em volta da rue Rihour e da universidade. Era uma versão da França difícil de encontrar em Paris ou mais para o sul; com a cerveja e o bom humor, seria possível imaginar que eu estava numa parte muito mais nortista da Europa. A questão é que Lille olha para fora da própria França e se sente mais confiante por isso.

Paris

Depois de cerca de uma semana viajando do Le Midi a La Manche, voltei a Paris, como sempre faço. A primeira coisa que notei é que os parisienses não sabem e não se importam muito com o resto do país. Mas se equivocam ao pensar assim. A França provincial do século 21 está acelerando rapidamente, superando muito quaisquer clichês que os parisienses possam formular sobre o atraso da vida nas províncias.

Como alguém que observa as eleições francesas há mais de duas décadas, não me recordo de nenhum momento em que a distância entre Paris e o resto da França pareceu ser tão grande. Isso acontece em parte porque nenhuma das soluções políticas propostas parece ser realista. Um fato interessante: a palavra que os eleitores das províncias vêm empregando com mais frequência até agora para descrever as eleições é "trivial". Isso não quer dizer que a política não tenha importância para os franceses das províncias --quer dizer apenas que eles ficaram indiferentes a Paris.

Mais crucialmente, constatei que, embora as províncias estejam em ascensão, elas ainda conservam todos seus velhos problemas, que são particulares de cada região. A grande diferença agora é que elas não querem que Paris lhes proponha respostas. Para o próximo presidente, seja ele quem for, esta nova França já é uma realidade e já está em transformação.

Um comentário:

p disse...

-> De década em década uma alegre decadência 'kosovariana'... não obrigado!
--->>> Não vamos ser uns 'parvinhos-à-Sérvia'........ antes que seja tarde demais, há que mobilizar aquela minoria de europeus que possui disponibilidade emocional para se envolver num projecto de luta pela sobrevivência... e SEPARATISMO!...