domingo, 31 de março de 2013

O legado dos EUA no Iraque, dez anos após a invasão

Patrick Cockburn
The Nation

Dez anos atrás, iraquianos, ainda que originalmente opostos a eles, esperavam que a invasão dos Estados Unidos e a ocupação trariam ao menos um fim ao sofrimento que enfrentavam sob as sanções e outros desastres consequentes da derrota na primeira Guerra do Golfo, de 1991. Hoje, o povo em Bagdá reclama ainda o mesmo estado de permanente crise causada pela violência criminosa e sectária, corrupção estrutural, infraestrutura fragilizada e um governo disfuncional. Muitos iraquianos dizem que o que realmente querem em 2013 é o mesmo que queriam em 2003: a possibilidade de visto para outro país, onde podem conseguir emprego.

Bagdá já foi uma cidade onde sunitas, xiitas e cristãos viviam lado a lado, conscientes de suas crenças distintas, mas não amedrontados um pelo outro. Isso tudo mudou durante a guerra civil de 2006-2008, que, em seu pico, matou mais de 3.700 iraquianos num só mês, e desses mortos a grande maioria era de Bagdá. "Não existem mais tantas áreas mistas hoje", diz uma mulher xiita que vive com sua mãe num distrito de maioria sunita e que tenta esconder sua identidade dos seus vizinhos sunitas. A mulher está preocupada com a possibilidade de ser interrogada a fim de entregar evidências que incriminem um destes vizinhos, que está na prisão acusado de matar um xiita cinco anos atrás. Ela suspeita que o detido tenha deixado munições em frente a sua casa como ameaça; a mulher não quer entregar qualquer evidência, porque isso traria às claras seu grupo (sunita) e a deixaria exposta a retaliações.

A guerra civil entre os grupos islâmicos teve maior intensidade em Bagdá e províncias centrais do Iraque, onde vive um terço dos 33 milhões de iraquianos. Ela terminou com uma derrota decisiva para os sunitas, que foram empurrados e expulsos do leste de Bagdá e foram comprimidos e cercados por xiitas no oeste da mesma cidade. Iraquianos pacíficos dizem que "tudo está seguro agora", mas não agem como se acreditassem de fato nisso; ficam nervosos quando entram em áreas hostis controladas por outra comunidade ou, se vivem num distrito misto, entram em pânico com a menor ameaça, como um slogan agressivo deixado numa parede. Depois de tudo o que aconteceu, ninguém está se arriscando. Ainda hoje, há constantes atentados e assassinatos; 220 iraquianos mortos e 571 feridos só em fevereiro.

Desemprego e corrupção

Ali, Abdul-Karim, um corretor bem-sucedido, disse-me que as pessoas estão constantemente tensas, e fogem por boatos. Mas me contou sobre as dificuldades de finalizar uma venda que ele estava tentando providenciar em Bagdá. Disse-me que seu cliente neste caso era um capitão oficial da inteligência de Saddam Hussein, com uma fazenda numa área sunita muito violenta na periferia sul de Bagdá chamada Arab Jabour. O capitão mudou-se de lá porque fora ameaçado pela Al Qaeda por se recusar a cooperar com eles; no entanto, seu pai octogenário se recusa a deixar a fazenda. Neste entremeio, o capitão foi feito prisioneiro pelo governo por seu cargo na polícia secreta de Saddam.

Um problema na compreensão do Iraque de hoje é que os sucessos militares americanos depois de 2007 foram hiperbolizados afim de não deixar a última retirada militar, no fim de 2011, parecendo uma confissão do fracasso. A insurgência – a ofensiva de 30 mil reforços americanos em 2007 – foi louvada pela mídia ocidental naquela época por acabar com uma guerra civil e ter derrotado os rebeldes sunitas, embora na realidade tenha sido um menor bom acordo. Na prática, o estabelecimento das tropas e grandes prédios com paredes imensas de concreto durante a intervenção simplesmente calcou o novo mapa sectário de Bagdá, deixando os xiitas dominantes. Seus territórios são facilmente identificados por conta dos banners religiosos que cobrem os prédios e pôsteres que mostram líderes e mártires, como Muqtada al-Sadr e seu pai, Imam Ali e Imam Hussein, colados em todas as paredes.

Os banners e pôsteres não são só presos nas casas civis, mas em postos militares e polícias, quartéis e até prisões. Não nos deixam qualquer dúvida de que grupo governa. Isso é importante, não menos porque a folha de pagamento do governo é de três milhões de pessoas, e pagar esses empregados absorve grande parte dos 100 bilhões/ano que o governo recebe do petróleo. Acesso à influência política é critério para conseguir um emprego – embora a propina também seja necessária – num país onde pelo menos um terço da população trabalhadora está desempregada. O sistema funciona como uma gigante máquina Tammany Hall (sociedade política), em que os trabalhos são distribuídos de acordo com a lealdade partidária, independente do mérito. Todo ministério é o feudo de um partido ou outro, o que rigorosamente exclui os outros demais partidos ou membros de outras comunidades. Ao fim, os xiitas são incluídos e os sunitas excluídos. Um sunita pacífico tem emprego num ministério onde a norma é que só com propina consegue-se algo, nega que receba tais propinas, mas diz isto porque os outros trabalhadores de sua seção são xiitas, "eu sou aquele quem será acusado de corrupção".

Existem expansão e enraizamento da corrupção em todos os níveis no Iraque. Pessoas na prisão, ainda que inocentes de suas acusações, devem pagar para serem libertos; oficiais que querem ser promovidos na polícia ou exército devem pagar; um civil pacífico trabalhou muito e fez de tudo o que era necessário para entrar e ascender no exército e ser coronel dentro de meses, mas terá de subornar onze pessoas antes de isso acontecer. Um ministro oficial descreve o sistema como uma "cleptocracia institucionalizada". O governo de Nouri al-Maliki, primeiro ministro desde 2006, manobra contratos para aliados e facções políticas que ele quer cultivar. Dinheiro é dado para contratos independente de terem sido tratados ou não. Os efeitos podem ser vistos por toda Bagdá, onde não existe nenhuma nova construção. Eu estive lá recentemente durante dois dias de chuva pesada. Desde 2003, sete bilhões de dólares têm sido gastos num novo sistema de esgoto, que deveria cuidar da água pluvial. Mas ficou evidente que ou não há novos encanamentos de esgoto ou eles não funcionam, porque foi preciso algumas horas para as ruas de Bagdá tornarem-se piscinas escuras de água e esgoto. Eletricidade sofre comumente com 2 horas funcionando e outras duas não, e existe racionamento de água potável.

De fato, há pouco que se mostrar quando levamos em conta os 60 bilhões de dólares que o EUA gastou em projetos de reconstrução. Prova disso é que muitos desses projetos foram levianos ou fraudulentos (para mais leia o artigo de Peter Van Buren, Why the invasion of Iraq was the single worst foreign policy decision in American History), mas isto vai além. A corrupção no Iraque é tão destrutiva ao desenvolvimento por sua natureza ser maior que meramente a de boletos de pagamentos. Maliki ameaça com medidas anticorrupção para intimidar seus inimigos e manter seus aliados na linha. Um empresário americano me contou num ministério que ele estava negociando, pensava que 90% dos oficiais não aceitassem propina, possivelmente porque não lhes eram oferecidas, mas estes 90% estavam tão vulneráveis à corrupção quanto os outros 10%. O caminho mais seguro para aqueles que não recebem propinas é negar seus salários, não fazer nada, não assinar qualquer documento e não concordar com nenhum novo projeto sequer. O resultado desse cenário é a paralisia do sistema administrativo (o governo de Maliki tem um exército, polícia e inteligência fortes, além de controlar milhões de empregos e o orçamento estatal. Ao mesmo tempo, não tem nenhuma autoridade em territórios curdos e poder limitado em províncias de maioria árabe-sunita).

Colapso

O avanço de um Estado tão parasitário de seu povo tem mais a ver com as ações americanas anteriores do que com as posteriores à invasão de 2003. A destruição da economia e sociedade iraquianas começou trinta anos antes, em 1990, quando sanções das Nações Unidas foram impostas, sob pressão dos EUA, depois de Saddam ter invadido Kuwait. O que levou a um cerco econômico de trinta anos impiedoso que não tirou Saddam do poder, e no entanto levou à pobreza milhões de iraquianos. Saúde e educação entraram em colapso e o crime se tornou frequente. O programa "Petróleo para Comida" durante esse período permitiu supostamente suprimentos essenciais de chegarem no Iraque, mas nunca era o bastante. Em 1996, visitei um vilarejo chamado Pejwin na parte curda do Iraque, fora dos controles de Saddam, onde o povo foi dizimado por tentar sobreviver desarmando e extraindo explosivos da mina altamente perigosa, Mina Valmara. Eles venderiam os explosivos, e lâminas de alumínio (o que envolve o explosivo) por alguns dólares. Muitos destes moradores perderam mãos e pés.

Por causa das sanções, a sociedade iraquiana estava já em dissolução quando os Estados Unidos invadiu o país em 2003. O colapso foi contido graças ao braço forte de Saddam. Quando este foi removido, já havia uma ferocidade social revolucionária instalada pelo saque de Bagdá. Um oficial de alto escalão disse que "o Iraque acabou por viver sob um sistema que combina alguns dos piores elementos da gestão de Saddam Hussein e da ocupação americana". Levará, é evidente, muito tempo para se recuperar.

sábado, 30 de março de 2013

La partitura del Plan Cóndor o el represor que habló sobre el pianista

Darío Pignotti
Página 12

Vallejos dio detalles del secuestro en Buenos Aires de Francisco Tenorio Cerqueira Júnior, el pianista que acompañaba a Vinicius de Moraes durante su gira porteña en el verano del ’76. Existen fuertes indícios sobre la participación de diplomáticos brasileños.

El secuestro y desaparición de Francisco Tenorio Cerqueira Júnior, el pianista que acompañaba a Vinicius de Moraes durante su gira porteña en los últimos días del verano del ’76 refuerza la tesis de que el Cóndor hablaba en portugués y posiblemente más de lo sospechado. Es lo que afirmó la abogada Rosa Maria Cardoso da Acunha, designada en la Comisión de la Verdad por la presidenta Dilma Rousseff, quien ha investigado el capítulo verdeamarillo del terrorismo sudamericano e interrogó largamente al argentino Claudio Vallejos, ex agente de la ESMA que el jueves aterrizó, deportado, en Argentina, custodiado por efectivos de Interpol.

La ley de amnistía vigente, promulgada por el dictador Joao Baptista Figueiredo para garantizar la impunidad de los militares, no permite que Brasil procese a sus propios “cóndores” ni a Vallejos por la desaparición del pianista, pero nada impide que lo haga la Justicia argentina, que ahora podrá indagarlo y, tal vez, reconstruir un caso plagado de indicios sobre la complicidad entre la Armada y antiguos miembros del Palacio Itamaraty, sede del Ministerio de Relaciones Exteriores, en Brasilia.

“Vallejos declaró durante horas y horas ante la Comisión de la Verdad. Lo escuchamos en Brasilia y viajamos a Florianópolis, donde estaba preso. Queríamos hacerlo porque es un personaje que estuvo envuelto, esto es lo que él dice, en el secuestro del pianista Francisco Tenorio Cerqueira Júnior, el 18 de marzo de 1976. El secuestro es uno de los once casos de brasileños víctimas del Cóndor en Argentina que nosotros estamos investigando con mucho interés en la comisión. Y habló bastante de la conexión represiva entre Brasil y Argentina durante los años del Plan Cóndor”, cuenta Cardoso da Acunha.

El Gordo Vallejos escapó a Brasil presumiblemente a comienzo de los años ’80, cuando maduraban las leyes de obediencia debida y punto final. Hizo una larga confesión de su pasado marinero a la revista brasileña Senhor, publicada en dos ediciones, en la que formuló varias afirmaciones que repitió a fines de 2012 ante la comisión creada por la presidenta Dilma Rousseff.

Embaucador y buscavidas, Vallejos dio varios golpes en el sur brasileño hasta que, a principios de 2012, cayó preso bajo cargos de estafador.

Cuando la embajada argentina tomó conocimiento del caso, a través de la noticia publicada por este diario, envió un diplomático hasta la cárcel de Xanxeré para constatar que se trataba del represor Vallejos y después de confirmar la identidad del detenido, presentó ante el gobierno brasileño el pedido de extradición ejecutado anteayer.

–¿Vallejos participó en el asesinato del pianista?

–El nos dijo que no torturó al prisionero y dijo claramente que ni siquiera asistió a su ejecución, que fue con un tiro después de ser sometido a varias sesiones de tortura –contestó Cardoso da Acunha, quien fue la defensora de la presidenta Rousseff cuando estuvo presa durante la dictadura.

Vallejos hizo un relato bastante detallado, aunque a veces volvía atrás y se desdecía, de la noche del 18 de marzo, cuando Tenorio, después de un recital con Vinicius, sale del hotel para ir a comprar algo a una farmacia, la policía lo ve con aspecto extraño –medio de “subversivo”, dijo Vallejos, por su barba y aspecto desaliñado– y lo apresa.

Vallejos contó que ese día él estaba participando en un operativo de la ESMA por el centro de Buenos Aires, cuando recibió la orden de recoger a un sospechoso preso en una comisaría. El se presenta como alguien de los servicios y la policía le entrega a Tenorio, que es trasladado por él a la ESMA, donde llega con vida y sin ser golpeado, según dice Vallejos.

–¿Massera fue informado?

–Vallejos dijo que Massera fue informado de todo lo que iba pasando con el pianista Tenorio, paso a paso hasta su muerte, que habría sido el 25 de marzo de 1976.

–¿La embajada brasileña lo supo?

–Según lo que nos dijo Vallejos, fue informada más de una vez y, sigo basándome en lo que dijo el argentino, personas de la embajada estuvieron en la ESMA.

–¿Cuando el pianista estaba con vida?

–Dijo Vallejos que sí, y que inclusive llegaron a entregarlos a los torturadores una minuta con preguntas sobre el movimiento de músicos contestatarios que había en Rio en esa época, donde estaba Chico Buarque y más gente contraria a la dictadura.

–¿Cree que hubo participación de diplomáticos?

–No lo sé con seguridad, para nosotros será de mucha utilidad lo que averigüe la Justicia argentina. Y si la Justicia nos lo pide, podemos enviar una copia de lo que habló Vallejos con nosotros.

–¿La Comisión de la Verdad está informada del CIEX (Centro de Informaciones en el Exterior de la Cancillería)?

–Hemos tenido conocimiento del CIEX.

La respuesta de Rosa Maria Cardoso da Acunha es telegráfica, tal vez para evitar hacer comentarios precipitados sobre el Centro de Informaciones en el Exterior, una red de espionaje internacional al servicio de la dictadura, surgido a fines de los años ’60 y al que se podría caracterizar como el brazo diplomático del Cóndor brasileño.

Si bien los dichos del Gordo Vallejos hay que tomarlos como de quien vienen, pueden contener alguna información verdadera, y esto es lo que parece haber entendido la Comisión de la Verdad brasileña al indagarlo dos veces. Parte de su testimonio relativo a la complicidad u omisión de la Embajada de Brasil encaja con informaciones obtenidas por periodistas serios y especializados en el Cóndor, como Stella Calloni.

Ella escribió hace trece años en el diario La Jornada de México que documentos encontrados en los archivos de la policía política brasileña, el DOPS (Dirección de Orden Política y Social), refieren a un mensaje dirigido por la ESMA a la embajada brasileña informándola sobre el fallecimiento del pianista Tenorio secuestrado y torturado desde el 18 de marzo.

La Comisión de la Verdad recibió recientemente un pedido para que se esclarezcan las causas de la muerte del ex presidente Joao Goulart, el 6 de diciembre de 1976, en Argentina. La ministra de Derechos Humanos, Maria do Rosario Nunes, admitió por primera vez que el ex mandatario derrocado por el golpe de 1964 pudo haber sido asesinado.

Hace dos años, su hijo, João Vicente Goulart, en una entrevista de este corresponsal, hizo una declaración que recobra interés ahora. “Nosotros, la familia Goulart, estamos seguros de que nuestro padre fue víctima de una conspiración del Cóndor urdida por Brasil, Argentina, Uruguay y Estados Unidos”, dijo João Vicente Goulart. Y remató: “En los meses previos a la muerte de mi padre había un número inaudito de agregados militares en la embajada, y la mayoría se desplazaba utilizando armas. Alguien tendrá que explicar alguna vez esa historia y averiguar a qué se dedicaban tantos agremil (agregados militares) en esos años del Cóndor”.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Estas son nuestras armas

Marta Pascual
Revista El Ecologista

Algunas reflexiones sobre el papel de la música en los movimientos sociales de resistencia.

No hay revolución ni sueño de revolución que no esté vinculado a una música que la haya alentado y la simbolice. La música también es una potente herramienta de cohesión social, que ayuda a construir una identidad de grupo, una épica propia. En definitiva, las canciones, la música, pueden ayudar a canalizar emociones y sentimientos hacia el cambio tan necesario en nuestra sociedad.

Puerta del Sol, Madrid, mayo de 2011. La orquesta Solfónica actúa en medio de una plaza repleta de mensajes reivindicativos, de gente esperanzada, en medio de una pequeña ciudad indignada. Cuando terminan agitan en alto violines, flautas, partituras y corean “estas son nuestras armas”. No muy lejos el cordón policial observa atento.

Estadio de Chile. Septiembre de 1973. Cinco mil presos y presas custodiados por el ejército se hacinan en una inmensa prisión improvisada. Allí está Víctor Jara. No es terrorista ni guerrillero. Es dramaturgo y músico. Le torturan y le golpean con saña el cuerpo y las manos de tocar la guitarra. Finalmente es asesinado junto con otras muchas personas. Tienen miedo a su palabra y a su música. Saben del poder de la canción. En ambos casos la música está detrás dando fuerza, poniendo nombre y aunando voluntades.

Cantando soñamos

Cantando denunciamos, soñamos y conjuramos al miedo. A diferencia de los himnos victoriosos de los ejércitos que muestran el orgullo de la superioridad, hablamos aquí de música con voz que se enfrenta la injusticia e imagina un futuro mejor.

No hay revolución ni sueño de revolución que no esté vinculado a una música que la haya alentado y la simbolice. “Grandola Vila Morena” representa la Revolución de los Claveles en Portugal, “La Internacional” es seña de identidad del movimiento obrero, “Ay Carmela” nos trae a la memoria la defensa de la República en la Guerra Civil española.

¿Qué tiene la música que la convierte en motor o al menos en ingrediente necesario para el cambio? La música moviliza sentimientos. Cuando se une a la palabra fortalece su mensaje pues se apoya en un modo de comunicar que traspasa lo racional. Si la música habla de esperanza, hace eco en nuestro sistema emocional y empezamos a creer que es posible, igual que si habla de ilusión o de valentía. Cuando es de noche conjuramos el miedo cantando. “Venceremos, mil cadenas habrá que romper”. Cantando cogemos fuerzas y empezamos a creer posible lo improbable.

La música nos transporta, aumenta el valor de aquello que nombra, da brillo, belleza y fuerza a lo que transmite. “A galopar, hasta enterrarlos en el mar” cantaba Paco Ibáñez tomando los versos de Alberti. Es herramienta de cohesión social. Ayuda a construir una identidad de grupo, una épica propia. Lo saben las iglesias, lo saben los ejércitos y los Estados con sus himnos. Pero también lo saben los movimientos sociales.

Cantamos al unísono para hacer de muchas melodías una sola. “Todas las voces, todas, todas las manos, todas, toda la sangre puede ser canción en el viento”, dice Mercedes Sosa. La canción colectiva nos convierte en parte de un todo. Nos ayuda a sentirnos sujeto político colectivo.

Y tiene el poder de convencer. Esto lo sabe la publicidad, que nos coloca en la memoria melodías que se retienen durante toda la vida. Pero esta capacidad de hacernos llegar ideas también es conocida por los movimientos sociales. “Podemos”, parecen decir las músicas que se cantan en las revueltas. Hablan de la viabilidad de los sueños: “Habrá un día en que todos al levantar la vista veremos una tierra que ponga libertad”, defiende Labordeta. La música es fuente de empoderamiento personal y colectivo.

Todo cambio social necesita fortalecer el sentido, el por qué y el para qué, y no solo desde prácticas y argumentos. Necesita ilusionar, invitar a asumir riesgos, soñar con lo incierto. La música permite todo eso imaginando el futuro. “Y se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre construyendo para siempre su libertad”.

Cantar desobedeciendo

A veces cantar en sí mismo es una forma de desobediencia. Tiene más fuerza que el grito. Lo amplifica. Hay géneros musicales que se han convertido en banderas de resistencia. La música negra, la que cantaban los esclavos, sonaba a lamento y a denuncia. Buena parte del Rock, del Punk (Clash), del ska (Ska-P “El Libertador” Los hijos bastardos de la globalización) se convierte en bandera de la antiglobalización. El hip-hop nace como música irreverente y marginal que escupe con descaro sobre poderosos, policías, sobre la moral burguesa… (Mentenguerra “no voy a rendirme” o La Cólera de hip hop). A nivel mundial, el hip hop árabe de Líbano, Siria e incluso Irán y el africano con grupos como Positive Black Soul cumplen también ese papel. Y muchos más.

En nuestra historia reciente los cantautores supusieron un respiro de denuncia y esperanza. Paco Ibáñez, Raimon, Mikel Laboa, Luis Pastor, Lluis Llach… durante la dictadura pasaban de mano en mano (de oído en oído) en grabaciones piratas. En el momento actual se multiplican y diversifican los modos de denuncia musical: pensemos en Manu Chao o en Amparanioa. Calle 13, un grupo de Puerto Rico que hace reggeaton, canta “Nos complementamos como novios. Tu tomas agua destilada, yo agua con microbios... Tú tienes chofer, yo camino a patas. Tu comes filete, yo carne de lata”. Escuchándoles no podemos negar que la canción transmite energía. Pussy Riot, un grupo ruso de punk-rock feminista, presenta performances en que la protesta política y feminista irreverente les ha valido incluso la cárcel.

Desde el pasquín poético a la poesía social, desde el pareado cantado en una concentración al poema lírico comprometido o la acción de calle. En las manifestaciones las demandas toman enseguida forma de rimas sencillas, rítmicas y musicadas. Son mensajes condensados pero potentes: “El pueblo unido jamás será vencido”, “Lo llaman democracia y no lo es”, “Manolo Manolito, la cena tú solito”. Pareados sencillos de memorizar, a menudo inventados por cualquier persona ingeniosa con un megáfono en la mano, la nueva herramienta de la tradición oral. Esas frases cargadas de ironía o de indignación se recuerdan, se repiten y pasan a formar parte de un cancionero difuso y creciente. Cultura popular para hacerse oír en las calles.

Sevillanas indignadas que irrumpen en un banco para denunciar la avaricia dejando perplejos a los vigilantes de seguridad, bailes colectivos y multitudinarios en medio de la calle que hacen visibles problemas sociales, chotis que hablan de la privatización… Fundación Robo es un ejemplo de creación nacida de la necesidad popular de denunciar. Es un proyecto colectivo surgido al calor del 15M que satiriza acerca de la estupidez del sistema económico y político, o desacredita el consumo, con canciones como “La revolución no será televisada”, “La clase obrera dónde se ha metido” y otras muchas. Y siguen naciendo formaciones musicales cuyo horizonte es la denuncia. Canción colectiva con vocación de politizar la vida.

El cambio cultural llega a menudo de la mano de la música, que abandera luchas concretas, denuncias cotidianas en guerras de baja intensidad. Desmonta herramientas del poder: la violencia contra las mujeres (“Malo eres. No se daña a quien se quiere”, dice Bebe), el militarismo (“Haz turismo invadiendo un país”, de Celtas Cortos), la destrucción ambiental (Macaco en su disco Madre Tierra) o la solidaridad con pueblos en lucha (Pedro Guerra en su canción Chiapas: “Y mire lo que son las cosas, porque para que nos vieran nos tapamos el rostro, para que nos nombraran nos negamos el nombre, apostamos el presente para tener futuro, y para vivir, morimos”).

La canción es portadora de memoria. “Papá cuéntame otra vez” insiste Ismael Serrano. Los tiempos oscuros, la clandestinidad, necesitan de la memoria. A veces se canta con medias palabras, a menudo envueltas en la ironía y la burla. La potencia crítica de la canción satírica, la capacidad de ridiculizar convierte la canción en una forma de escaramuza artística. “Para ser dama de beneficencia en color caca tejemos con paciencia. Así los pobres a misa de once irán y con la gente no se confundirán”, cantaba Nacha Guevara. Carlos Cano, en La Murga de los Currelantes, daba al cacique “pico, pala, chim-pún y a currelar”. Igual que se hace contrapublicidad también se pueden hacer contra-himnos: “Como una ola el PP llego a mi vida, como una ola de destrucción masiva” y enlazar el humor con la música.

Somos lo que cantamos

Hoy buscamos canciones que acompañen y empujen el cambio. La orquesta Solfónica, un grupo instrumental y coral que se creó al calor del 15M y sigue cantando en Madrid en las manifestaciones, ha puesto música al movimiento indignado. Con versiones adaptadas de los cuatro muleros (“De la puerta del sol, mamita mía, nadie se marcha”) es capaz de transmitir entereza y calma. “Represión, violencia o miedo no nos han de amedrentar. Jamás la cobardía dio a algún pueblo dignidad. Yo quiero otro mundo. ¿Te unes conmigo a luchar?”. Muchos otros grupos conocidos, muchas personas anónimas hacen cancioneros que ruedan por correos electrónicos para corear en acciones de calle.

Y se multiplican las versiones anónimas de otras canciones populares que permiten denunciar coreando en grupo: “¿A quién le importan nuestros derechos?, ¿a quién le importan nuestros anhelos?, esto es así, te tienes que callar y nunca protestar”.

Cuando se pierde la memoria las canciones permanecen. Somos responsables de nuestras canciones. Somos lo que comemos, somos lo que respiramos, pero también terminamos por ser lo que cantamos. Sólo construiremos aquello que podamos imaginar. Para construirlo, para imaginarlo, cantémoslo.

terça-feira, 26 de março de 2013

As entranhas do declínio americano

Joseph Stiglitz
Vanity Fair

Vamos começar estabelecendo uma premissa básica: a desigualdade nos Estados Unidos aumenta há décadas. Todos estamos conscientes deste fato. Certas vozes na direita negam a realidade, mas analistas sérios, em todo o espectro político, reconhecem o fenômeno. Não vou elencar todas as evidências neste texto: basta lembrar que a diferença entre o 1% e os 99% é muito vasta quando a analisamos em termos de rendimento anual; e ainda maior quando observamos a riqueza — ou seja, o capital acumulado e outros bens. Considere a família Walton: os seis herdeiros do império do Walmart possuem uma riqueza combinada de cerca de 90 bilhões de dólares, o que é equivalente à riqueza somada dos 30% mais pobres, entre os norte-americanos (muitos deles possuem patrimônio líquido zero ou negativo, especialmente depois do colapso imobiliário). Warren Buffet situou o tema de forma correta quando disse: “Houve uma guerra de classes nos últimos 20 anos, e minha classe ganhou.”

Portanto, o debate real não é sobre o fenômeno da desigualdade, mas sobre seu significado. À direita, ouve-se algumas vezes o argumento de que a desigualdade é basicamente uma coisa boa: se os ganhos dos ricos crescem, afirma-se, toda sociedade segue em seu vácuo. Este argumento é falso: enquanto os ricos têm ficado mais ricos, muitos norte-americanos (e não apenas os mais empobrecidos) não conseguem manter seu padrão de vida, muito menos avançar. Um trabalhador em tempo integral típico ganha hoje o mesmo salário que recebia três décadas atrás.

Entre a esquerda, por outro lado, o crescimento da desigualdade frequentemente provoca um apelo por justiça: por que tão poucos podem ter tanto, enquanto tantos têm tão pouco? Não é difícil entender por que, em uma era dirigida pelo mercado, na qual a própria justiça é em si uma mercadoria que pode ser vendida e comprada. Mas alguns rejeitariam o argumento, rotulando-o como coisa de sentimentais piedosos.

Mesmo colocando o sentimento à parte, existem boas razões para que os próprios plutocratas importem-se com a desigualdade — até mesmo por egoísmo. Os ricos não existem em um vácuo. Necessitam de uma sociedade que funcione em torno deles, para sustentar sua posição. A evidência histórica e do mundo moderno é inequívoca: vamos chegar a um ponto em que a desigualdade desencadeará disfunções econômicas que se espalham por toda a sociedade. Quando isso acontecer, até os ricos pagarão um grande preço. Vamos examinar algumas razões.

O problema do consumo

Quando um grupo social concentra muito poder, torna-se capaz de assegurar políticas que beneficiam a si próprio, a curto prazo — ao invés de contribuir, a longo prazo, para a sociedade como um todo. Foi o que ocorreu nos EUA, no que diz respeito às políticas tributárias, regulatórias e de investimento público. As consequências (aumento dos rendimentos e da riqueza em favor de um único setor da sociedade) tornam-se visíveis quando se observam os gastos das famílias, um dos motores da economia norte-americana.

Não por acaso, os períodos em que setores mais amplos da sociedade norte-americana registraram aumento dos rendimentos líquidos — ou seja, quando a desigualdade foi reduzida, em parte graças a impostos progressivos — foram aqueles em que a economia cresceu mais rápido. Também não é por acaso que a atual recessão, assim como a Grande Depressão, foi precedida por grandes aumentos na desigualdade. Quando muito dinheiro é concentrado no topo da sociedade, os gastos do norte-americano médio tornam-se necessariamente menores — a menos que haja algum estímulo de outra natureza. A concentração do dinheiro reduz o consumo porque indivíduos de renda mais alta consomem uma fração muito menor de seus rendimentos, se comparados às pessoas de rendimentos mais baixos.

Aparentemente, não é assim. Os gastos dos ricos são extraordinários, como se constata admirando, nas páginas do Wall Street Journal de fim-de-semana, as fotografias coloridas dos anúncios imobiliários. Mas a realidade torna-se visível quando você faz a conta. Considere alguém como o candidato do Partido Republicano à Presidência, Mitt Romney, cujos rendimentos chegaram, em 2010, a 21,7 milhões de dólares. Mesmo se Romney optar por um estilo de vida muito mais perdulário, gastará apenas uma fração desse montante, em um ano típico, para manter a si mesmo e sua esposa, em suas diversas casas. Mas tome a mesma soma de dinheiro e divida por aproximadamente 500 pessoas — na forma, digamos, de empregos que paguem 43.400 dólares por ano — e você descobrirá que quase todo o dinheiro é gasto.

A relação é direta e obrigatória: quanto mais o dinheiro fica concentrado nas classes mais favorecidas, mais a demanda agregada declina. A não ser que “algo a mais” aconteça, na forma de intervenção, a demanda total será menor do que a economia é capaz de oferecer. Significa que haverá um aumento no desemprego, o que vai enfraquecer a demanda ainda mais. Nos anos 1990, a bolha da tecnologia foi este “algo a mais”. Na primeira década do século 21, foi a vez da bolha imobiliária. Hoje, o único recurso, em meio a uma profunda recessão, são os gastos do governo — exatamente o que o pessoal no topo da pirâmide está tentando refrear.

O problema da caça de rendas

Aqui, preciso recorrer um pouco ao jargão econômico. A palavra renda foi originalmente usada, e ainda é, para descrever o que alguma pessoa recebe pelo uso da terra: é o retorno obtido simplesmente em virtude de propriedade, e não pelo fato de fazer ou produzir algo. Renda contrasta com salário, por exemplo, que conota uma compensação pelo trabalho fornecido pelos assalariados. O termo renda foi, depois, estendido para abranger os lucros de monopólio — a renda que alguém recebe simplesmente por controlar um monopólio. E por fim, o significado da palavra expandiu-se ainda mais, para incluir a remuneração de outros tipos de reivindicações de propriedade. Se o Estado concede a uma empresa o direito exclusivo de importar uma certa quantia de um certo bem (como o açúcar), então os ganhos oriundos deste monopólio são chamados de “renda da quota”.

A concessão de direitos de mineração ou extração de petróleo produz uma forma de renda. O mesmo ocorre com tratamento tributário preferencial, para certos lucros. Num sentido mais amplo, a caça de rendas [rent seeking] define muitas das maneiras por meio das quais nosso processo político favorece os ricos às custas de todos os demais. Inclui transferências e subsídios do governo, leis que tornam os mercados menos competitivos, leis que permitem aos executivos abocanhar uma fração desproporcional dos lucros das empresas e que permitem às corporações ampliar seus lucros destruindo a natureza.

Embora difícil de quantificar, a magnitude da “caça às rendas”, na economia norte-americana, é imensa. Indivíduos e empresas que se aprimoram nesta atividade são fartamente recompensadas. O setor financeiro — que hoje funciona em grande medida como um mercado de especulação, ao invés de uma ferramenta para promover produtividade econômica autêntica — é caçador de rendas por excelência. A prática não se limita à especulação. Este setor extrai rendas também de seu controle sobre os meios de pagamento — por exemplo, cobrando tarifas exorbitantes nas operações bancárias e cartões de crédito, ou imponto, aos vendedores, tarifas menos conhecidas, que são repassadas aos consumidores.

O dinheiro que o setor financeiro extrai dos norte-americanos pobres ou de classe média, por meio de práticas predatórias de crédito, pode ser visto como uma forma de renda de monopólio. Nos últimos anos, este setor apropriou-se de cerca de 40% de todo o lucro empresarial nos EUA, algo totalmente distante de sua contribuição social. A crise mostrou, ao contrário, como ele pode espalhar devastação pela economia. Numa sociedade de caça às rendas, como aquela em que os Estados Unidos se converteram, retorno financeiro e retribuição à sociedade estão perigosamente fora de sintonia.

Em sua forma mais simples, as rendas não são mais que transferências de riqueza, de uma parte da sociedade para os caçadores de renda. Muito da desigualdade em nossa economia resulta da caça de rendas, porque este processo extrai recursos da parte de baixo da pirâmide e os concentra no topo.

Mas há uma consequência econômica mais ampla: a luta pela apropriação de rendas é, na melhor das hipóteses, uma atividade de soma-zero. A caça de rendas não produz o crescimento de nada. Os esforços que ela envolve são direcionados a abocanhar uma parte cada vez maior do bolo, ao invés de fazê-lo crescer. Mas é ainda pior: a busca de rendas distorce a alocação de recursos e torna a economia mais frágil. É uma força centrípeta: o retorno da caça de rendas torna-se tão desproporcional que cada vez mais energia é dirigida a esta atividade, às custas de tudo o mais.

Países ricos em recursos naturais são tristemente famosos pela atividade de caça às rendas. É muito mais fácil tornar-se rico nestes lugares obtendo acesso aos recursos, em condições favoráveis, que produzindo bens ou serviços que beneficiam a população e elevam a produtividade. É por isso que estas economias foram tão mal sucedidas, a despeito de sua aparente riqueza. É fácil desdenhar e dizer: “Não somos a Nigéria, não somos o Congo”. Mas a dinâmica de caça às rendas é a mesma.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Iraque à beira de outra guerra 10 anos depois

Karlos Zurutuza
IPS

“Sabemos que estamos à beira do desastre e já nos estamos a preparar para isso”, confessa o deputado curdo Jalid Shwani no Iraque, quando se completam 10 anos da invasão do país, liderada pelos Estados Unidos. O aniversário, que ocorreu quarta-feira 20, ocorre num momento em que o Iraque está mergulhado no paradoxo de a iminência de um novo conflito armado ser um dos poucos pontos em relação ao qual a maioria dos iraquianos está de acordo. Shawni conversou na sua residência de Kirkuk, 230 quilómetros a noroeste de Bagdad, onde curdos, árabes e turcomanos disputam a cidade que mergulha os seus alicerces sobre uma das maiores reservas de petróleo do mundo.

Enquanto se espera um referendo sobre o estatuto deste governo, que vem sendo adiado desde 2007, Kirkuk entra numa espécie de “limbo” legal enquanto sofre constantes ataques suicidas e assassinatos seletivos. “Kirkuk não é outra coisa senão o poço negro em que se reflete hoje o Iraque”, prossegue Shwani. “Não há acordo político, nem diálogo, nem confiança entre as diferentes comunidades”, enumerou este integrante do Conselho de Representantes, o parlamento nacional com sede em Bagdade. A cidade natal de Shwani é uma imensa e informe sucessão de casas de betão enegrecidas pelo fumo que emana dos poços petrolíferos. Só as bandeiras de cor azul turquesa em postes e varandas rompem a monocromia para recordar que os turcomanos são maioria no bairro de Tarik Bagdad.

Arshad al Salihi, líder da Frente Turcomana, a principal coligação desta minoria, e o único membro de sua nação no parlamento iraquiano, recebeu a IPS no seu escritório. “Depois da invasão, todos esperávamos uma melhoria nos direitos humanos, mas a verdade é que hoje nos encontramos prostrados pelo sistema”, lamentou al Salihi, para quem a Turquia é o único modelo de democracia em todo o Médio Oriente. “Achamos que a guerra civil é iminente e estamos muito assustados. Se a situação acabar por explodir, vai nos surpreender em 'terra de ninguém’. Sempre foi assim”, explicou, em referência ao povo turcomano, que tem raízes turcas.

Talvez o medo comece a calar na população, depois das duas condenações à morte impostas a Tarik al Hashemi, líder da coligação que englobava o voto sunita e vice-presidente do país até dezembro de 2011. Foi então que o próprio primeiro-ministro, Nuri al Maliki, o acusou de “terrorismo”, umas horas apenas depois da retirada oficial das tropas dos EUA. Não em vão, al Maliki, de confissão xiita, também é ministro do Interior e da Justiça.

“Não somos baathistas”

Desde dezembro passado, dezenas de milhares de manifestantes tomaram as ruas de Nínive, Ambar e Saladino, as províncias predominantemente sunitas, a oeste e noroeste de Bagdade. Ninguém se surpreende por as revoltas mais importantes desde o início da “primavera iraquiana", de fevereiro de 2011, ocorrerem nas regiões ocidentais do país.

Isso porque os sunitas no Iraque pós Saddam Hussein – que governou o país entre 1979 e 2003 e foi enforcado em 2006 – observam com espanto como lhes são fechadas as portas do trabalho, ao mesmo tempo que se abrem as da prisão. “Os sunitas no Iraque só são maioria nas prisões”, disse à IPS o governador da província de Ambar, Mohammad Qasim Abid.

Os protestos contra o governo começaram a tomar corpo em dezembro de 2012, depois da detenção dos guarda-costas de Rafie al Issawi, proeminente líder sunita no Poder Executivo. Durante o regime de Saddam Hussein e do partido Baas, muitos cargos do poder foram ocupados por sunitas, mas não existia a divisão sectária de que hoje padece o Iraque. Na cidade de Mossul, no Norte, Ganem Alabed, coordenador dos protestos na capital da província de Nínive, comentou que dezenas de milhares de manifestantes se congregam a cada sexta-feira na central praça de Ahrar. “Poderíamos ser muitos mais se não fosse o cordão policial”, assegurou Alabed. O ativista denunciou no seu momento o assassinato a tiros do manifestante Mohammad Saleh, a mãos da polícia, a 8 deste mês.

A organização Human Rights Watch corroborou esta morte através de depoimentos de manifestantes obtidos no lugar, que confirmaram também outras agressões por parte das forças de segurança. Supostamente, soldados iraquianos teriam levantado obstáculos à evacuação dos feridos. Incidentes semelhantes ocorreram nos últimos três meses por todo o Oeste iraquiano. A 25 de janeiro, soldados mataram a tiros nove manifestantes, ao abrir fogo sobre uma marcha de protesto em Faluja, 60 quilómetros a oeste de Bagdade.

O primeiro-ministro iraquiano usa as mesmas palavras do presidente sírio, Bashar al Assad, ao denunciar a existência de “agentes estrangeiros” por trás das manifestações. Da mesma forma que o seu aliado sírio, al Maliki tenta “isolar o vírus”. Com esse objetivo, fecham-se as fronteiras com a Síria e a Jordânia, limítrofes das regiões sunitas. É igualmente bloqueado o acesso à imprensa. Como resultado, as imagens das manifestações chegam como as da vizinha Síria: em vídeos gravados por telemóveis e colocados no Youtube.

A sensação de “já visto” começa a ser recorrente. Até começa a falar-se de um “Exército Livre Iraquiano”, em clara imitação do Exército Livre Sírio, a organização armada que aglutina a maioria dos opositores ao governo de al Assad. As mobilizações em Kirkuk são bem mais modestas, dado o carácter misto da sua população. No entanto, isso não impediu que o coordenador local dos comités de protesto, Bunyan al Ubaidi, morresse baleado em frente à sua casa, no sábado 16.

“É o nosso primeiro mártir nesta nova etapa”, lamentou Ahmed al Ubaidi, membro da mesma tribo que o assassinado e porta-voz do Projeto Comum Árabe, a principal coligação política que reúne 24 organizações árabes de Kirkuk. “Primeiro sofremos a invasão dos americanos e depois a do Irão. Não somos baathistas, mas também não queremos viver sob um regime governado por políticos leais a Teerão”, denunciou este antigo oficial do exército de Saddam Hussein.

Al Ubaidi negou que as revoltas sejam despoletadas pela guerra civil na vizinha Síria e fez questão de afirmar que os protestos “não reclamam nada além de direitos e de democracia para todos os iraquianos”. No entanto, o veterano ativista não vacila na hora de denunciar que a Unidade Tigre – um grupo militar composto por 60.000 homens, todos árabes xiitas – está estacionada na região. “Al Maliki mandou esta unidade para a região com a desculpa de garantir a nossa segurança, mas o seu único objetivo é proteger o regime em caso de a crise se agudizar”, assegurou Al Ubaidi. O seu resumo dos últimos protestos é bem mais gráfico: “Os manifestantes plantaram uma palmeira e agora esperam recolher as tâmaras”.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Jessé Souza: "Para a classe média, o que prevalece é o capital cultural"

Nice de Paula
O Globo

Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Jessé Souza estuda classes sociais há 20 anos e defende o uso de critérios além da renda. Na sua opinião, fenômeno recente foi a ascensão de uma ‘nova classe trabalhadora precarizada’

A sociedade brasileira é perversa?

Sim, porque o nível de desigualdade é enorme. O banqueiro na Avenida Paulista ganhar 500 vezes mais do que a pessoa que limpa a sua sala não é normal. E nós convivemos com essa perversão de forma muito natural e ainda temos esse mito brasileiro de que somos muito gentis.

O senhor discorda que exista uma nova classe média brasileira?

Este conceito está inserido na cegueira de pensar que as classes sociais se reproduzem apenas no capital econômico, quando a parte mais importante não tem a ver com isso, mas com o capital cultural, com tudo aquilo que a gente incorpora desde a mais tenra idade.

Quais são as classes sociais do Brasil?

Basicamente, quatro. A alta, que tem capital econômico. Tem a classe média, que não é tão privilegiada quanto a alta, mas se apropria de um capital cultural valorizado, saber científico, pós-graduação, línguas estrangeiras, um conhecimento que tem valor econômico. Essas duas são as classes do privilégio. Para a classe alta, o mais importante é o capital econômico, embora o capital cultural tenha uma função. E, para a classe média, o que prevalece é o capital cultural, embora algum capital econômico também seja necessário.

Quais são as classes “sem privilégios”?

As classes populares não têm acesso privilegiado a capital econômico, nem cultural nem social, não vão ter acesso a pessoas importantes. Têm que trabalhar desde cedo, são batalhadores. É essa a nova classe trabalhadora precarizada (chamada pelos economistas de “nova classe média”). Ela foi incluída porque tem um lugar no mercado, tem renda, planos e consumo de longo prazo, mas isso não a torna classe média. A outra classe “sem privilégios” são os muito pobres, que não têm nem precondição para aprender, a quem chamamos de maneira provocativa de ralé. Para as classes média e alta, é bom que exista a ralé, porque assim podem desfrutar de serviços que a classe média europeia e americana já não têm, como alguém para fazer a comida, cuidar dos filhos. É a luta de classes invisível, tipicamente brasileira.

Luta de classes?

As classes do privilégio economizam um tempo importante para estudo ou para um trabalho mais rentável, enquanto a ralé limpa sua casa, faz sua comida. Luta de classe é uma classe roubar tempo de outra. Quando a empregada deixa o almoço do filho da patroa pronto para ele estudar inglês em vez de preparar sua própria comida, esse jovem ou criança está usando seu tempo para reproduzir seu capital cultural. E a empregada, usando seu tempo para repetir sua condição social.

E por que haveria essa necessidade de inflar a classe média?

Porque é bom ser classe média. Ela inclui a noção indivíduos que são livres, são consumidores, cidadãos. Condensa os sonhos de ascensão social. Pertencer à classe média tem um efeito de distinção, como comprar um carro bacana, uma casa bonita.

O critério de renda não é importante?

É preciso estar atento às outras condições que formam um ser humano. Por exemplo, toda pessoa precisa ter confiança em si mesma. O filho da classe média pode se dedicar só ao estudo, é preparado desde cedo para ser vencedor. O filho da ralé já chega na escola como perdedor e a escola não é solução para tudo. Na nossa pesquisa, o que vimos não é que não tinha escola, mas as pessoas diziam: “nós ficamos fitando o quadro negro horas e horas sem poder aprender”. Se as pessoas não receberem os estímulos anteriores, a escola sozinha não vai resolver.

quarta-feira, 20 de março de 2013

El regreso de Michelle Bachelet inquieta a la política chilena

Rocío Montes
El País

El escenario político chileno ha comenzado a acomodarse desde que el pasado viernes la ex-presidenta socialista, Michelle Bachelet, anunció su renuncia a la dirección ejecutiva de ONU Mujeres, en Nueva York, para regresar a Chile después de dos años y medio. La noticia no ha sorprendido a los dirigentes ni a los ciudadanos que, desde hace meses, consideran un hecho probado que volverá para repostular a La Moneda con miras a las elecciones del 17 de noviembre.

El Gobierno de derechas, encabezado por Sebastián Piñera, se alista ante la llegada de Bachelet, que aterrizará en la capital chilena en Semana Santa y, antes del día 31, confirmará en persona que competirá en la carrera presidencial arropada por sus altos índices de popularidad (un 54% está decidido a darle el voto). “El Gobierno no es neutral y es un deber respaldar a la coalición en estos desafíos electorales”, notificó el ministro del Interior, Andrés Chadwick, en una entrevista publicada el domingo en el periódico La Tercera.

Bachelet encontrará al Ejecutivo con un mejor estado de ánimo respecto de los últimos meses: el presidente obtuvo un 38% de respaldo en marzo, de acuerdo a la encuesta Adimark, lo que representa un alza de 6%. El nuevo escenario ha provocado que el propio jefe de Estado, con menos problemas y mayor orden en su conglomerado, se sienta con la fortaleza de apoyar a los dos precandidatos oficialistas y ofrecer el trabajo de La Moneda para lograr un triunfo complejo.

El pasado 11 de marzo, cuando la Administración cumplió tres años en el poder, Piñera organizó una fiesta para dos mil personas en La Moneda. El jefe de Estado aprovechó el festejo, que fue cuestionado por la oposición, para defender su gestión y llamó a darle continuidad. Los dos postulantes de la derecha, los ex-ministros Laurence Golborne y Andrés Allamand, ingresaron al Palacio caminando juntos por una alfombra roja en señal de unidad.

Los dos precandidatos, que se medirán en elecciones primarias el 30 de junio, han reaccionado de forma distinta ante el anuncio de Bachelet. Golborne, que ostenta un 15%, ha sido cauteloso. “Es la crónica de un regreso anunciado. Ya lo sabíamos y nuestro camino es inalterable”, señaló el ex-ministro que ganó popularidad después de liderar el rescate de los 33 mineros en 2010. Allamand, que se ubica debajo de su compañero en las encuestas, con un 7%, ha optado por correr mayores riesgos y enfrentar directamente a la ex-presidenta: “Se va a encontrar con un país mejor y distinto al que llegó”.

Los asesores de Bachelet, un círculo cerrado que guarda discreción total, sabe que el aterrizaje a Chile será complejo y que la líder de ONU Mujeres deberá hacer frente a la arremetida oficialista. La ex-mandataria llegará unos días después de que el lunes 25 de marzo se celebre una diligencia trascendente en el marco de la causa judicial 27-F, que investiga responsabilidades penales por las muertes de 156 personas después de la alerta fallida de maremoto en febrero de 2010. Un ex subsecretario de su Gobierno, Patricio Rosende, fue formalizado por la Fiscalía y el caso ha sido utilizado por la derecha para atacar a Bachelet por las decisiones políticas que se tomaron después del seísmo.

La totalidad de los actores políticos chilenos han comprobado, en estos tres años, que atacar a Bachelet no produce dividendos políticos. Los precandidatos presidenciales de la Concertación, el conglomerado de la ex-presidenta, han optado también por la prudencia ante el anuncio de su regreso a Chile. El abanderado democristiano, Claudio Orrego (1%); el presidente del Partido Radical, José Antonio Gómez (1%); y su ex-hombre de confianza, el economista Andrés Velasco (2%), reaccionaron con declaraciones suaves ante su única y más fuerte contendora.

Incluso Marco Enríquez-Ominami, el ex-socialista que levantó su postulación a La Moneda en las elecciones de 2009, evitando el triunfo del ex-presidente democristiano Eduardo Frei, ha sido prudente y se limitó a criticar a la Concertación: “El problema de Bachelet son las malas juntas”, indicó el domingo en el programa de televisión Tolerancia Cero, aludiendo a la coalición opositora.

Uno de los grandes desafíos que deberá sobrellevar a Bachelet será la relación que establecerá con los partidos que la apoyan. En las últimas elecciones municipales de octubre, el conglomerado de centroizquierda recibió un balón de oxígeno: recuperó alcaldías importantes y, desde entonces, lidera los gobiernos locales de un 48,96% de la población. La nueva correlación de fuerzas, con la derecha a cargo del 36,11% de los chilenos, no ha logrado incrementar la identificación con la Concertación: apenas un 22% se siente representado por el bloque, de acuerdo a la última encuesta del Centro de Estudios Públicos (CEP).

Bachelet, aunque ha guardado silencio respecto de sus planes, vendrá a Chile a intentar renovar su sector. Los asesores indican, en privado, que apostará por los rostros jóvenes y por figuras que, siendo mayores, no hayan tenido papeles protagónicos en los 20 años de Gobiernos de centroizquierda. La distancia de la ex-presidente con los partidos es evidente y la mayoría de los dirigentes desconoce los pormenores de su diseño político y la operación retorno. Un socialista histórico, Ricardo Núñez, criticó el hermetismo en torno a su figura: “El secretismo si es por razones de seguridad y del buen manejo de su figura o un mecanismo adecuado de protección para su llegada, me parece bien. Pero si el secretismo va a continuar luego que la ex-presidenta Bachelet regrese al país, creo que sería un gravísimo error”, indicó el lunes al periódico El Mercurio.

En su primer equipo de campaña, que la acompañará en el proceso de primarias del 30 de junio, no estará monopolizado por las colectividades y, por el contrario, tendrá un marcado sello ciudadano. En la Concertación, desde hace meses, es un lugar común escuchar sobre la necesidad de ampliar la base de apoyo con miras a la recuperación de La Moneda y esa nueva fuerza incluiría a los movimientos sociales y al Partido Comunista: “[Me gustaría que un eventual segundo Gobierno de mi madre] tenga la base más amplia posible, tuviese voz la mayor cantidad de partidos, movimientos, ONGs y crease un mecanismo de participación ciudadana mucho más elaborado de lo que existe hoy”, dijo el hijo de Bachelet, Sebastián Dávalo, a la revista Qué Pasa a fines de febrero.

sábado, 16 de março de 2013

Slavoj Žižek: O retorno necessário a Hegel

Leonardo Cazes
O Globo

O filósofo esloveno Slavoj Žižek atende ao telefone no seu quarto de hotel, em Porto Alegre, e responde ao pedido de desculpas do repórter pelo atraso com uma piada. O bom humor continua o mesmo, mas se restringe apenas à entrevista. No seu novo livro, “Menos que nada — Hegel e a sombra do materialismo dialético”, Žižek deixa de lado as referências cinematográficas e as frases polêmicas que o tornaram famoso, em troca de maior rigor intelectual. O que torna o texto difícil para não iniciados.

Naquela que ele considera sua maior obra, o filósofo retoma argumentos de outros livros e defende o retorno ao expoente do idealismo alemão. Em entrevista no dia da primeira de uma série de conferências dadas nas duas últimas semanas, ele defende Marx, mas confessa que seu “verdadeiro amor é Hegel”.

Hegel andava fora de moda e sofreu duras críticas nas últimas décadas. Por que então voltar a Hegel agora?

Hegel e seu grande sistema apareciam quase como um inimigo natural para o que chamamos de historicismo e desconstrucionismo. Mas nos últimos cinco anos, dez anos, é esta abordagem que está saindo de moda. No mundo todo há um retorno à filosofia do fundamento, com Alain Badiou na França e seu jovem círculo chamado de “realismo especulativo”. Mas o Hegel a quem muitos estão voltando, e me incluo aí, não é esse do idealismo absoluto. Hegel é o maior pensador da contingência radical. Você pode dizer que ele faz um sistema teleológico. Sim, mas é sempre retroativo. Hegel proibiu qualquer especulação sobre o futuro.

Essa leitura tem implicações políticas, não?

O ponto político é fundamental no meu retorno a Hegel. Eu sou um radical de esquerda, até mesmo um comunista em alguns momentos, mas temos que admitir que a experiência comunista no século XX foi, em última instância, uma grande catástrofe. O comunismo não proveu uma alternativa global para o capitalismo, pelo contrário. Foi o comunismo que possibilitou a explosão de capitalismo da China. Não é como o antigo marxista gosta de dizer, “nós sabemos que a tendência da História é em direção ao comunismo, a História está do nosso lado”. Não! É preciso abandonar isso. Para Hegel, temos um marco zero e uma tentativa de mudar as coisas, mas isso sempre dá errado. Na Revolução Francesa, a luta por liberdade terminou no Terror. Ele não defende uma volta à velha ordem, ela está perdida. A questão se torna o que fazer depois que dá errado, sem garantias ontológicas de que a História está do nosso lado.

Devemos abandonar o determinismo histórico que aparece em Marx?

Precisamente. Se formos deterministas estamos todos acabados. Ser determinista hoje é ir para uma espécie de novo apartheid, onde teremos nações top, nações produtoras e muitas outras nações que simplesmente foram deixadas de fora da história. Isso pode acontecer inclusive dentro de um país. Um amigo meu esteve recentemente no Congo. São incríveis esses países. Você tem uma minoria, onde você tem mineração, petróleo ou alguma outra coisa, totalmente integrada no capitalismo global. E o resto da sociedade está vegetando, totalmente excluída, em guerras civis ou nada. Não sou um otimista. Alguns amigos apontam para a Espanha, a Grécia e acreditam que o mundo está se movendo. Eu duvido. Eu conheço bastante a situação grega, conheço as pessoas do Syriza (partido de esquerda grego), Alex Tsipras (líder do Syriza) é meu amigo e eles devem ganhar as próximas eleições. Mas já há divisões dentro do partido. Tsipras defende uma visão mais realista, e eu estou do lado dele. Ele tem medo de que a Grécia não sobreviva fora da Europa. Ele está receoso de que uma coalização mais ampla seja necessária, mas há alguns radicais de esquerda que querem uma espécie de revolução pura e autêntica, o que é claro que nunca vai acontecer. É uma posição de princípios firmes, mas ao mesmo tempo extremamente oportunista. Às vezes, a coisa mais oportunista é você defender seus princípios. Porque você se prende aos seus princípios e diz que não pode fazer nada. É uma posição muito confortável.

Então onde ficaria Marx nessa equação?

Devemos retornar a Marx por Hegel e com uma postura crítica. Por exemplo, Antonio Negri, com quem tive conflitos em outros tempos, estava certo ao apontar que hoje, com o avanço do conhecimento como fator produtivo e fonte de riqueza, não podemos nos prender na teoria marxista do valor-trabalho. É preciso ver criticamente a questão do proletariado. Quem são os agentes da mudança hoje? Definitivamente não é a classe trabalhadora. Hoje, estar empregado é um privilégio, porque a maioria está sem emprego, excluída. A massa está em empregos temporários, precários.

Como o senhor avalia as consequências da crise econômica atual no mundo?

A grande derrotada dessa crise foi a democracia. A tradição democrática europeia está se perdendo lentamente. O grande vencedor foi um capitalismo autoritário. A crise está na Europa Ocidental e até certo ponto nos Estados Unidos. Rússia, China, Singapura estão explodindo. O desenvolvimento capitalista atual está ligado a governos autoritários. Na vida privada, você tem todas as liberdades que quiser: sexual, você pode viajar, tem até uma certa liberdade intelectual. Mas, mesmo assim, você sabe quem está no poder. Essa é uma tendência muito perigosa e é por isso que continuo um radical de esquerda.

Mas para compreender a crise não é preciso um retorno a Marx também?

Continuo pensando que Marx nos deu, de longe, a melhor descrição da dinâmica do capitalismo global. Mas precisamos seguir em frente. Por Marx, mas além de Marx.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Alerta para a ameaça emergente dos novos riscos existenciais

Vivian Oswald
O Globo

Se a ciência nos aproximou do sonhado mundo dos Jetsons, criou ameaças que parecem saídas da ficção. É o que defende Martin Rees, um dos cientistas mais importantes da atualidade, que acaba de criar na Universidade de Cambridge um centro para estudos sobre o que chama de riscos existenciais. O presidente da Sociedade Real de Astronomia afirma que a maior ameaça à Humanidade vem do próprio homem.

O senhor afirma que o mundo está mais sujeito a riscos de catástrofes e que é difícil convencer as pessoas disso. Ficamos todos céticos?

Temos que saber diferenciar o que são ameaças genuínas do que é ficção científica. As pessoas não sabem reconhecer os riscos reais. A ciência hoje é tão poderosa que um único indivíduo pode cometer um erro capaz de causar uma catástrofe. Os riscos existenciais estão mais em ações provocadas pelo homem do que pela natureza. Descobertas sempre podem ser usadas para o bem ou para o mal. O laser pode estar num leitor de DVD ou numa cirurgia ocular, mas também produzir uma arma. A ciência nuclear pode ser usada para fabricar bombas ou gerar energia. Não queremos impedir os avanços da ciência, nem podemos. Precisamos garantir que podemos maximizar os benefícios das descobertas e minimizar os riscos.

O senhor se refere a riscos existenciais específicos, como energia nuclear, e novas tecnologias da biologia e da cibernética. Que ameaças exatamente são essas?

Estas são algumas. Um ponto importante que devo mencionar é o fato de que nos preocupamos demais com riscos muito pequenos como contaminação de alimentos que podem prejudicar a nossa saúde, acidentes de avião, por exemplo. Mas não nos preocupamos suficientemente com problemas mais sérios, tão sérios que, se acontecerem uma única vez, podem desencadear uma grande catástrofe, como a rápida disseminação de epidemias nas cada vez maiores cidades do mundo em desenvolvimento, danos ambientais causados pelo crescimento populacional descontrolado, escassez de recursos e mudanças climáticas. O que estamos tentando fazer em Cambridge é montar um grupo de algumas pessoas que vai pensar sobre essas ameaças.

Mas essas coisas pequenas não são sérias também?

Claro, e não é uma coisa ruim se preocupar com elas. Mas, em proporção aos chamados riscos existenciais, não nos preocupamos o suficiente. E estes últimos, embora tenham uma probabilidade pequena de se concretizar, têm consequências que podem ser desastrosas. O que fazemos é buscar o equilíbrio e dar atenção para riscos que não estão bem caracterizados. E temos que levar em conta que, quando uma coisa não é familiar, não significa que não é provável. Por isso, precisamos tentar pelo menos nos antecipar, levando em consideração a grande velocidade dos avanços da tecnologia.

Tendo em vista as chances de estes riscos se concretizarem e o fato de que temos de pensar no longo prazo, como convencer as pessoas sobre ameaças que não devem sequer afetar a sua geração?

Acho que as ameaças podem estar mais próximas do que isso, embora alguns riscos possam se concretizar apenas no longo prazo, sim. O problema é que não fazemos planos suficientemente de longo prazo. Temos que tratar esses problemas em um contexto mais convencional. Se decidirmos construir uma usina nuclear agora, temos que considerar que ela continuará existindo nos próximos 50 anos. Ao desenvolver infraestrutura em qualquer país, temos que pensar nos 50 anos seguintes, nos efeitos ao meio ambiente e levar em conta que a população continua crescendo e temos que planejar tudo isso. Todos estão preocupados em relação a esses temas, aqueles que têm netos, mas também os jovens, que podem estar vivos no final do século. Os jovens estão mais preocupados com problemas do meio ambiente porque perceberam que, embora tenham em mente que são de longo prazo, sabem que estarão vivos e poderão sofrer as suas consequências.

Como estudar tantos temas tão diversos?

Temos que contribuir nos reunindo em pequenos grupos de cientistas com especialização em áreas diferentes. Precisamos começar logo. Mas, é claro que, se concluirmos que há ameaças sérias que não estejam sendo discutidas suficientemente, será, então, importante ter certeza de que academia e governos estarão familiarizados com elas. Mas, para isso, temos que nos esforçar para identificar os riscos mais sérios advindos dos novos desdobramentos da ciência, da tecnologia. Quais são, por exemplo, as ameaças ao meio ambiente derivadas da pressão crescente do crescimento da população, que está consumindo os recursos do planeta. É necessário nos antecipar os problemas.

O senhor defende que os riscos são menos naturais e mais vinculados às ações humanas.

Ao longo da História, estivemos sujeitos aos riscos de epidemias, terremotos, inundações, quedas de asteroides e outros desastres. E sabemos que pudemos sobreviver a eles, embora sejam grandes desastres. Mas acho que devemos nos preocupar mais com as novas ameaças causadas pela tecnologia e pela ação humana de maneira geral, porque são difíceis de prever e não temos garantia de que poderemos sobreviver a elas. Por isso, estamos interessados nas novas tecnologias.

Como o senhor vê os riscos geopolíticos do mundo moderno?

As grandes ameaças que vivemos durante a Guerra Fria, quando estávamos sob o risco de destruir a civilização no Hemisfério Norte, são menores agora. Mas nos próximos 50 anos podemos estar diante de uma nova corrida armamentista por novas superpotências e, se tivermos uma situação parecida com a de Cuba durante a Crise dos Mísseis, pode ser que os países tenham uma maneira de lidar com ela menos regional. Isso significa, por exemplo, que o risco nuclear pode ter ficado para trás por pouco tempo.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Cambio climático, movimientos sociales y políticas públicas

El cambio climático amenaza los sistemas humanos y biofísicos de nuestro mundo. Durante las dos últimas décadas a través de Naciones Unidas se creo el Panel Intergubernamental de Cambio Climático (IPCC), se generó el Protocolo de Kioto y se han realizado casi una veintena de Conferencias de las Partes (COP) con el objetivo de reducir las emisiones de CO2 a niveles seguros sin resultados positivos. Un horizonte sombrío de degradación ambiental y catástrofes se cierne sobre la humanidad. Mitigación, adaptación, riesgo, incertidumbre entre otros son conceptos que dominan la academia, y las consideraciones acerca de qué es mejor para los países subdesarrollados y en vías de desarrollo son parte del debate en las altas esferas de la política internacional. Lo global tiende a imponerse sobre lo local; sin embargo la ciudadanía, los actores y movimientos sociales poseen percepciones, perspectivas y otras lecturas de las agendas oficiales que pueden ser trascendentales en el futuro. Este libro es una contribución a la polémica sobre cambio climático desde la mirada crítica de varios autores latinoamericanos que buscan la discusión interdisciplinaria, la solidaridad intelectual y la esperanza.

terça-feira, 12 de março de 2013

Referéndum en Malvinas: Británicos que quieren seguir siéndolo

Mario Rapoport
Página 12

Con un respaldo prácticamente absoluto al actual status político de las islas, los habitantes de Malvinas votaron en un 99,8 por ciento en favor de seguir siendo parte del territorio inglés de ultramar. El plebiscito impulsado por Gran Bretaña en las islas terminó, así, sin nada que se saliera de lo previsible. El primer ministro británico exigió a la Argentina que “respete el principio de autodeterminación” de los isleños, una opción que la Casa Rosada ha descartado de plano, tras señalar que la cuestión de la soberanía se debe resolver por medio de una negociación entre los dos Estados. “No tiene ningún valor”, insistió ayer la embajadora argentina en Londres, Alicia Castro, sobre la votación.

La consulta tuvo un 92 por ciento de asistencia, con 1518 votos sobre un padrón de 1672 votantes. Mientras se realizaba la última de las dos jornadas electorales, los kelpers se dijeron seguros de que la “Argentina perderá la batalla diplomática” por Malvinas. En una cuenta institucional en Twitter, reivindicaron además su derecho a decidir la condición política del lugar donde viven. “En 1982, Argentina perdió la batalla militar. Hoy Argentina perderá la batalla diplomática”, definieron.

Conscientes de que los resultados no tendrán efectos jurídicos, los isleños tratarán de lograr el mayor impacto antes de que el foco de atención que generó la consulta se apague. En ese sentido, anoche los portavoces de los malvinenses anticiparon que harán una presentación ante la ONU para “dar por terminado” el debate sobre la descolonización, una medida que no tiene chances de prosperar, pero que los ayudará a seguir siendo noticia. A su vez, integrantes de la asamblea legislativa de las islas insistieron en que están “mandando un mensaje”. “Argentina nos está ignorando completamente, pero el resto del mundo verá esto como lo que es, la visión democrática del pueblo”, dijo Barry Elsby, integrante del cuerpo, en una idea que, casi con las mismas palabras, vienen repitiendo todos los portavoces del plebiscito.

Como parte del mismo dispositivo, en Puerto Stanley, donde vive la mayoría de los casi 3000 pobladores de las islas, anoche comenzaba un festejo junto a la catedral, donde había instaladas luces al aire libre y equipos de música. Horas antes de que finalizara la votación impulsada por el Reino Unido, el primer ministro británico, David Cameron, también buscó acercarle leña al fuego y sostuvo que la Argentina deberá “respetar” el resultado de la consulta. “Los argentinos deben respetar el principio de autodeterminación y qué mejor ejemplo de autodeterminación que el hecho de que los isleños puedan expresarse a través de un referéndum”, sostuvo en un comunicado emitido en Londres por su oficina de prensa. La postura del Ejecutivo británico fue acompañada por el Comité de Relaciones Exteriores del Parlamento, cuyo presidente, Richard Ottaway, agregó que “el resultado de este voto debe ser respetado por todos”.

Desde el lado argentino, el gobierno nacional calificó el referéndum de maniobra mediática. Desde Londres, la embajadora argentina Alicia Castro recordó, como en días anteriores, que la consulta no tiene “ningún valor legal” y “no ha sido convocada ni supervisada por las Naciones Unidas. Es un referéndum entre habitantes británicos, convocado por británicos, para que digan si quieren que el territorio donde viven sea británico”, apuntó. Para la embajadora, “a los isleños les conviene una negociación” entre Argentina y el Reino Unido. “Son británicos. Respetamos su modo de vida, respetamos que quieran seguir siendo británicos, pero el territorio en el que habitan no lo es”, dijo sobre la pretensión del referéndum.

Castro recordó que “desde 1965, la comunidad internacional –a través de las Naciones Unidas– estableció que en las islas Malvinas hay una situación colonial especial, que tiene que ser resuelta en negociaciones entre Argentina y el Reino Unido. Tenemos la obligación de resolver este conflicto a través del derecho internacional, pero además tenemos una oportunidad de ofrecer un ejemplo al mundo”.

A su vez, el senador Aníbal Fernández habló de los motivos políticos por los cuales cree que el gobierno británico impulsó la medida. “Como (Cameron) perdió mucha popularidad, ha encontrado una veta dentro de un nacionalismo muy berreta, muy bajo, con la intentona de recuperar ese pedacito de participación popular o reconocimiento por parte de la sociedad, e inventó este gesto politiquero que no tienen ningún valor.”

El gobierno argentino ya había fijado posición el viernes pasado a través de un comunicado, en el que manifestó que “el Reino Unido carece de derecho alguno” para “llamar a un referendo”, ya que ha “convocado a una votación de los pobladores que ese país implantó en las islas Malvinas” para “tergiversar la verdadera condición jurídica” de las islas. Los isleños debían votar por sí o por no a la pregunta “¿Desea que las islas Falkland mantengan su actual status político como territorio de ultramar del Reino Unido?”.

Durante la jornada se vio menos movimiento en los centros de votación, porque la mayoría de los 1672 malvinenses habilitados para sufragar lo había hecho el domingo. Además de los cuatro colegios electorales fijos en las dos islas principales, Soledad y Gran Malvina, las autoridades habilitaron cinco urnas móviles, cuatro en vehículos todoterreno y otra en una avioneta, que recorrieron las zonas rurales. Lógicamente, parte del dispositivo consistió en facilitar el trabajo de los periodistas que llegaron a cubrir el evento, y que transmitieron imágenes de los pobladores con los colores de la bandera inglesa y, en general, con un discurso de corte nacionalista.

Más allá de que la postura de los medios británicos fue mayoritariamente a favor del plebiscito, hubo algunas voces disidentes. Por ejemplo, el parlamentario George Galloway calificó la consulta como un “ejercicio absurdo”. En una entrevista de la señal en inglés del canal Russia Today, sostuvo que las islas son “un apéndice del colonialismo británico” y criticó “el masivo gasto de Defensa, que incluye el despliegue de submarinos nucleares en el Atlántico Sur”.

También el editor en temas de Defensa y Seguridad del diario The Guardian, Richard Norton-Taylor, definió al referendo como “provocativo” y “sin sentido”. El periodista aseguró que la consulta “va a exacerbar argumentos anacrónicos sobre soberanía” y remarcó el doble discurso de Londres con el pueblo chagosiano, expulsado de la Isla Diego García por el imperio británico para que Estados Unidos pueda construir una base. En ese sentido, recordó que ninguna de las cuarenta resoluciones de la ONU sobre la Cuestión Malvinas menciona el derecho de autodeterminación y que fracasaron todos los intentos británicos de incluir ese principio.

domingo, 10 de março de 2013

La muerte de Chávez no estuvo bien

Santiago O'Donnell
Página 12

La muerte de Chávez estuvo mal. No digo la muerte en sí, todos vamos a morir, pero cómo se manejó desde el poder, ocultando la verdad a toda esa gente que se preocupaba por él y que salió a la calle a llorarlo cuando finalmente le dijeron que Chávez había muerto. Esa gente, ese pueblo, se merecía la verdad.

Yo entiendo que en la política no conviene mostrar debilidad. Entiendo que la construcción del mito sirve para afianzar a los herederos políticos del comandante. Entiendo que se quiera preservar todo lo que hizo Chávez por la inclusión social en Venezuela y por la unidad latinoamericana. Pero lo que hicieron me sigue pareciendo una falta de respeto.

No soy un experto, pero me parece que una persona que es operada de cáncer al menos cuatro veces en menos de un año y medio tiene un cáncer galopante y no está en condiciones de gobernar. Ya en la campaña para las elecciones de noviembre se lo vio a Chávez todo hinchado de cortisona y él mismo reconoció que tenía que tomar poderosos calmantes para controlar el dolor.

Después estuvo tres meses en Cuba prácticamente sin dar señales de vida, encerrado en un hospital de un país que depende económicamente de lo que decida el enfermo o su eventual sucesor, sin que puedan verlo los presidentes extranjeros que viajaron a visitarlo, ni nadie que no pertenezca al círculo íntimo de Chávez y tenga el visto bueno de los hermanos Castro. Los cubanos manejaron la comunicación desde la isla como lo vienen haciendo desde que triunfó la revolución, hace ya muchas décadas: siguiendo a rajatabla el modelo totalitario propagandístico de las dictaduras china y soviética.

Salvo en Corea del Norte, Irán, Cuba y países por el estilo, cuando una persona importante se enferma, ni hablar el presidente, se estila que el médico que lo trata o el jefe del equipo médico informe periódicamente sobre el estado de salud del paciente. Alguien que se haga responsable desde el punto de vista médico y diga qué enfermedad tiene el paciente, en qué consisten las operaciones que se le realizan, qué órganos están afectados y cuál es el tratamiento que se le practica. Información básica. No hace falta entrar en detalles ni hacer un reality. Tampoco se puede negar lo evidente.

En el caso de Chávez, todavía no sabemos qué tipo de cáncer sufrió, ni qué le removieron en las intervenciones quirúrgicas, ni de dónde se lo removieron; nunca se supo si lo conectaron o no a un respirador artificial, pese a que se dijo muchas veces desde el gobierno que Chávez padecía una infección pulmonar; no se sabe si estaba bajo el efecto de la morfina y ni siquiera se sabe si en algún momento estuvo inconsciente durante los tres meses que estuvo en Cuba, según los chavistas, gobernando Venezuela.

Entonces, me parece, es lógico que mucha gente empiece a poner en duda la información fragmentaria e incompleta que dieron Maduro y un par de ministros, convertidos en portavoces de médicos que ni siquiera se sabe quiénes son. No hace falta odiar a Chávez, ni tener amigos en el exilio de Miami, ni ser golpista para desconfiar.

Anoche, un médico legista me dijo que preparar un cuerpo para ser exhibido durante diez días sin descomponerse lleva días, no horas. Pero Chávez empezó a ser mostrado pocas horas después del anuncio de su muerte y según los testigos estaba rozagante. Las fotos con las hijas y con la tapa del Granma de ese día, al mejor estilo Fidel; el tweet anunciando que estaba contento de volver a Venezuela; la limpia y vigorosa firma estampada en el único decreto que supuestamente firmó durante su última convalecencia en Cuba; la ausencia de familiares y funcionarios en el Hospital Militar, después de su vuelta, mientras supuestamente se estaba curando, tras aterrizar sin que nadie lo vea; la supuestas discusiones de gabinete y enérgicas órdenes que les daba a sus ministros, cuando después resulta que no podía hablar porque le habían practicado una traqueotomía... en fin, un montón de cosas que pueden ser verdad. Pero cuando un gobierno oculta información básica, si somos honestos, creo, vamos a sospechar.

¿Y qué importa si hubo ocultamientos y aun mentiras si todo se hizo en función de un bien común, el de preservar los grandes logros de la Revolución Bolivariana? Bueno, está bien. Ignoremos eso y también el fracaso económico, el dólar en negro, la inflación record, la criminalidad record, la corrupción, las valijas, la patotas armadas que fungen de milicias chavistas, la Corte Suprema de mayoría automática, el odio hacia Estados Unidos cuando le vende todo su petróleo a Estados Unidos, el enfrentamiento con las organizaciones nacionales e internacionales de derechos humanos, ignoremos que no hubo dictador en el mundo que Chávez no abrazara. Hagamos de cuenta que hay golpes de Estado buenos, como el que dio Chávez, y golpes de Estado malos, como el que le hicieron a Chávez. Pasemos por alto estos detalles y vayamos al día en que anuncian su muerte.

Me parece que para anunciar un complot internacional, sobre todo en un día de tanta sensibilidad para los venezolanos, hay que ser un poquito más serios, quizás hasta se podría mencionar alguna prueba. Y decir que le inocularon el cáncer, justo en ese momento, ¿no es jugar con los sentimientos de la gente?

Así llegamos a la Constitución. Y sí, voy a decir lo mismo que dice Capriles, ese rival tan odiado por el chavismo. No lo digo porque lo dijo Capriles, sino porque leí la Constitución. Mi impresión es que no la están cumpliendo. Más bien, que el gobierno venezolano está manipulando la Carta Magna chavista para afianzar el liderazgo de Maduro en defensa del modelo carismático cesarista plebiscitario que moldeó el comandante.

La Constitución venezolana dice que si la ausencia del presidente se produce antes de la jura, tiene que asumir el presidente de la asamblea, que no es Maduro sino Diosdado Cabello. Lo dice muy claro. También dice que el presidente tiene que asumir el 10 de enero y no cuando pueda, en otra fecha. También dice que ni el vicepresidente ni miembros del gabinete pueden ser candidatos en una elección para reemplazar al presidente. También dice que el vicepresidente debe ser nombrado por decreto presidencial, ya que no es un cargo electivo. Pero por suerte para los chavistas, con sucesivas ampliaciones Chávez se aseguró una mayoría automática en el Tribunal Superior de Justicia (TSJ), órgano de 32 miembros con el que reemplazó a la vieja Corte Suprema de siete jueces a partir de la Constitución de 1999.

En sucesivos fallos hechos a medida de Maduro, el TSJ falló que Maduro podía ser el “vicepresidente ejecutivo” aunque Chávez no había firmado ningún papel nombrando a Maduro vicepresidente, por el solo hecho de que Maduro había sido vicepresidente en el período anterior; después falló que Chávez podía jurar cuando y donde quisiera, sin que por eso se pusiera en duda que estaba al mando y en control del país, cuando era evidente que no estaba en condiciones de hacerlo, sólo para sostener a Maduro; después habilitó la candidatura de Maduro para las próximas elecciones al inventar el cargo de “presidente encargado”. O sea, para que se entienda, la Constitución prohíbe al vice y los ministros ser candidatos, pero no al “presidente encargado”, pero porque ese cargo no existe, no figura en la Constitución. Mejor dicho, no existía. La maniobra se consumó el viernes en una juramentación que, lejos de los treinta y pico mandatarios que asistieron al funeral de Chávez, apenas contó con la presencia de Correa, los presidentes destituidos de Honduras y Paraguay y una ex senadora colombiana expulsada del Congreso de su país, todos ellas personas muy repetables, pero con un peso simbólico relativo a la hora de la legitimación.

Ese es el problema que yo le veo a esta situación. Entiendo que Lula, Dilma, Insulza y los estadounidenses estén preocupados porque la transición es un momento delicado en un país tan polarizado como Venezuela, y nadie quiere problemas. Entiendo que los Castro estén preocupados por el petróleo regalado, porque medio siglo de experimento comunista no les alcanzó para darse cuenta de que así la economía no funciona.

Pero toda esta manipulación que se hace para fortalecer a Maduro, a la larga o a la corta, podría debilitarlo. Porque podemos pasarnos días enteros hablando de las falencias y las debilidades de las democracias formalistas y neoliberales que colapsaron en Venezuela y otros países de región. De cómo esas democracias fracasadas fueron interpeladas y reemplazadas por la camada de caudillos personalistas que lideró Chávez.

Pero algunas formalidades parecen necesarias. Decir la verdad aunque duela, por ejemplo, o respetar la Constitución cuando no me conviene. No para retroceder, ni para entregar el país, ni para bajar las banderas, sino para estar mejor. Para progresar a partir de lo que ya fue, más allá de lo malo y de lo bueno.