sábado, 17 de maio de 2014

Brasil: O mito da grande classe média

Marilena Chaui
Boitempo

Depois de seu aclamado Nova classe média?, livro que reconfigurou o debate contemporâneo sobre o tema, o economista Marcio Pochmann lança O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social. Leitura obrigatória para compreender a história e os rumos das classes sociais brasileiras, a obra esclarece como e por que se propala mundo afora a ideia de “medianização” das sociedades e, no Brasil, a da existência de uma nova classe média.

Atento sobretudo à dimensão ideológica da absorção da nomenclatura em regime político e econômico neoliberal, Pochmann insiste que a noção de classe média não é unívoca e sim heterogênea. O livro retraça a gênese da classe média assalariada brasileira desde a industrialização iniciada com JK, passando por seu crescimento decisivo com as políticas econômicas da ditadura para revelar, na contracorrente do senso comum econômico-sociológico, o crescimento e o fortalecimento da classe trabalhadora brasileira.

Erguendo-se contra as simplificações neoliberais e pós-modernas acerca do capitalismo contemporâneo, este livro, ao passar da aparência à essência do social, esclarece como e por que se propala mundo afora a ideia de “medianização” das sociedades e, no Brasil, a da existência de uma nova classe média. De fato, uma vez que a perspectiva neoliberal se assenta sobre a afirmação da suposta racionalidade do mercado para a regulação da vida social, ela conduz à defesa da privatização dos direitos sociais sob a forma da compra e venda de bens e serviços, de maneira que, politicamente, a afirmação da “medianização” das sociedades fortalece a supressão de políticas sociais universais como ação do Estado.

Por outro lado, no caso específico do Brasil, os programas governamentais de transferência de renda, implantados desde 2004 (como expressão das lutas sociais e populares dos anos 1970-1990), levaram à incorporação socioeconômica de vasta parcela dos trabalhadores de baixa renda, até então destinados ao subconsumo, aos padrões de consumo de bens duráveis consagrados pelo capitalismo de modelo industrial fordista, consumo que só era possível para os segmentos de classe média e rendas superiores. O acesso ao consumo de bens duráveis e serviços por aqueles até há pouco deles excluídos conduziu à afirmação do surgimento de uma nova classe média brasileira.

As afirmações sobre a “medianização” das sociedades urbanas e industriais e a do surgimento de uma nova classe média brasileira, que poderiam parecer apenas um equívoco de interpretação, indicam, na verdade, a absorção (deliberada, em certos casos, ou involuntária, em outros) da ideologia e da política neoliberais como foco de análise e ação. Ou, como explica Pochmann, a ausência de uma análise das classes sociais em sua determinação concreta ou segundo as condições reais de sua base material redunda em “um voluntarismo teórico inconsistente com a realidade, salvo interesses específicos ou projetos políticos de redução do papel do Estado”.

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