terça-feira, 17 de março de 2015

A ocupação da Cisjordânia é uma situação colonial de apartheid

François Clemenceau
Le Journal du Dimanche

O historiador e cientista político Zeev Sternhell, autor de Histoire et lumières: Changer le monde par la raison (História e Luz: Mudar o mundo pela razão), se diz desapontado com os trabalhistas israelenses. Ele analisa a campanha das eleições legislativas em Israel e aponta um olhar crítico sobre a colonização dos territórios da Cisjordânia.

Os trabalhistas de centro-esquerda ainda têm chances de ganhar as eleições de terça-feira?

Não é impossível, mas as chances são muito baixas, porque mesmo que cheguem em primeiro, terão enorme dificuldade de construir uma coalizão. E se a construírem, a coalizão será tão contraditória que os deixará de mãos atadas. Se a direita ganhar, será tentada a formar uma nova coalizão com a extrema direita, uma coalizão linha-dura, como a que temos agora. O cenário mais realista é que direita e esquerda formem um governo. Isso permitiria que Netanyahu desse o ministério das Relações Estrangeiras a Isaac Herzog e retomasse um processo de paz, mas como Netanyahu é hostil a este processo, a esquerda estará no Governo, mais uma vez, apenas para caucionar uma ocupação interminável dos territórios palestinos.

O que o sr. critica nos trabalhistas? Acha que traíram seus ideais?

Em 1977, entrei para o Partido Trabalhista pensando que poderia ser profundamente reformado de dentro. Mas o fracasso do Partido Trabalhista vem do fato de estarmos constantemente em campanha eleitoral, de sua recusa em se aliar à esquerda com o Meretz ou com as listas árabes, com a justificativa de que estes não seriam suficientemente patriotas. Hoje, está numa aliança com o pequeno partido de centro-esquerda de Tzipi Livni chamada União sionista. Mas o que isso significa? Eles são sionistas e os outros não? Todos somos sionistas, ou eu não estaria neste país, teria ficado na França ou nos Estados Unidos. Os trabalhistas não representam mais nem a possibilidade de uma nova relação com os palestinos nem uma nova política social.

Mas a sociedade também mudou, não?

Não me orgulho desta sociedade. Não é o que minha geração gostaria de ver quando envelhecesse. Nossa sociedade abandonou a vontade de dar fim à guerra com os árabes. Hoje, fala-se da necessidade de “administrar” o conflito. Tornamo-nos uma das sociedades mais desiguais do mundo. Quando se trata dos EUA, fico um pouco chocado, mas não acho que Israel merecia construíssemos esses fossos com nossas próprias mãos. Sim, a sociedade ficou mais conservadora e de direita, e faz 30 anos que os trabalhistas pensam que se aproximar da direita é uma boa estratégia.

Fala-se de um aumento da presença da religião em todos os setores da sociedade, especialmente no exército...

Quando saí da escola de oficiais, em 1956, havia na minha classe um ou dois religiosos. Hoje eles são, pelo menos, metade das classes de oficiais. Aos poucos, tomaram contra do exército, e têm um peso muito maior nas forças armadas do que na sociedade em geral. Isto acabará por causar problemas se um dia tivermos que enfrentar os colonos que não quiserem deixar os territórios palestinos. Haverá o risco de guerra civil. Deste ponto de vista, não é normal que o Estado continua passivo diante desta situação. Mas o sentimento geral é de que é melhor lutar contra os árabes do que contra os colonos. Precisaríamos de um de Gaulle. Mas não temos.

Os Estados Unidos ou a Europa deveriam se envolver mais diretamente no processo de paz para que este possa ser salvo?

Sim. Não conseguiremos nada sem intervenção externa. Enquanto os israelenses não forem pessoalmente afetados pelos efeitos nefastos da colonização, ela não será interrompida. Mas se tivermos que pagar um preço pela ocupação, será diferente. Se Barack Obama fosse mais duro com Netanyahu, se demorasse três dias para responder, se as peças de reposição dos bombardeiros F-15 demorassem mais a chegar, se os Estados Unidos sugerissem que o uso do direito de veto em favor de Israel não fosse incondicional, Netanyahu pensaria duas vezes.

O sr. parece não ter esperanças...

Nunca tive medo da guerra. Israel é o meu país. Estou infeliz em vê-lo escolher um caminho que poderia levar ao maior dos desastres, ou seja, ao fim do sionismo. A ocupação da Cisjordânia não pode durar para sempre, é uma situação colonial e de apartheid. A natureza do Estado de Israel deve permanecer democrática. De tal forma que me pergunto se devo ficar aqui, porque, moralmente, não posso ficar ligado a um país que nega seus valores fundamentais.

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