quarta-feira, 29 de abril de 2015

O ecosocialismo: um projeto promissor face à crise ecológica mundial

Leonardo Boff
Adital

Uma das mais palavras mais difamadas na linguagem política neoliberal e capitalista é seguramente a de "socialismo”. Entende-se o porquê, pois ele comparece na história como um projeto alternativo à perversidade do capitalismo seja como modo de produção seja como cultura globalizada, hostil à vida e incapaz de trazer e generalizar felicidade.

Alega-se que o socialismo nunca deu certo em nenhum lugar do mundo. Talvez uma das razões de manter o boicote a Cuba socialista por tantos anos da parte dos EUA se deva à vontade de mostrar ao mundo que o socialismo realmente não presta e não deve ser buscado como forma de organização da sociedade. E Obama teve que reconhecer que nisso os EUA fracassaram. O capitalismo não é a única forma de organizar a produção e uma sociedade. Ademais houve a implosão do socialismo realmente existente na URSS, o que suscitou um entusiasmo quase infantil ao ideal capitalista como triunfador e a verdadeira solução final dos problemas sociais, o que revelou ilusório e falso.

Mas é forçoso reconhecer que aquele "socialismo” nunca foi o socialismo pensado por seus teóricos já há três séculos. Na verdade, era um capitalismo do Estado autoritário, pois somente este podia acumular e através dele e dos membros do partido construir o projeto socialista e não por todo um povo.

Mas se tomarmos como parâmetro critérios humanísticos, éticos e sociais mínimos, devemos reconhecer que o produtivismo em geral e o capitalismo como sua expressão maior, também não deram certo. Como pode dar certo um sistema que se propõe um mesquinho ideal de enriquecimento ilimitado, sem qualquer consideração? Subjugou a inteira classe operária na Europa e alhures aos interesses do capital, acirrando a luta de classes, conquistou e destruiu inteiros povos na África e, em parte, na América Latina, reduzindo-os até hoje à miséria e à marginalidade. Devastou e continua devastando inteiros ecossistemas, desflorestando grande parte da área verde do mundo, envenenando os solos, poluindo as águas, contaminando o ar, erodindo a biodiversidade na razão de cem mil espécies de seres vivos por ano, segundo dados do eminente biólogo Edward O. Wilson, destruindo a base físico-química que sustenta a vida e pondo em risco o futuro de nossa civilização, suscitando a imagem tétrica de uma Terra depredada e coberta de cadáveres e eventualmente sem nós, como espécie humana? Esse sistema, pelos cálculos feitos por economistas que assumem o dado ecológico, serve bem apenas a cerca de dois bilhões de pessoas que se afogam no consumo suntuoso e no desperdício atroz. Ocorre que somos já mais de sete bilhões de pessoas, das quais quase um bilhão vive na mais canina pobreza e miséria. Mais ainda, e os cálculos foram feitos: se este sistema quisesse universalizar o bem-estar dos países opulentos como os EUA e a Europa, precisaríamos de pelo menos três Terras iguais a esta.

Que sistema atenderá as necessidades fundamentais da humanidade carente? Não será o capitalismo que, lá onde chega, traz logo duas injustiças: a social com a riqueza de poucos e pobreza de muitos, à base da exploração, e a ecológica com a devastação maciça da natureza. Sobre ele, um dia que não saberemos quando, virá, severo, o juízo da história e se cobrará dele as milhões de vítimas produzidas nos séculos de sua vigência, cujos gritos sobem ao céu clamando por uma justiça mínima e pelo respeito à sua dignidade, sempre negada.

Deixando de lado os vários tipos de socialismo a começar pelo socialismo utópico (Saint Simon, Owen, Fourier), o socialismo científico (Marx e Engels), o socialismo autoritário-ditatorial (estalinismo) e o socialismo democrático (Schumpeter; não confundi-lo com a social democracia), restringimo-nos ao ecossocialismo contemporâneo. Surgido nos anos 1970 com Raymond Williams (Inglaterra), James O’Connor (USA), Manuel Sacristán (Espanha) e entre nós com Michael Löwy (O que é ecossocialimo, Cortez 2015), ele afasta-se dos socialismos anteriores e apresenta uma proposta radical que “almeja não só a transformação das relações de produção, do aparelho produtivo e do padrão de consumo dominante, mas sobretudo construir um novo tipo de civilização, em ruptura com os fundamentos da civilização capitalista/industrialista ocidental moderna” (Löwy, p. 9-10).

Os tópicos principais desta proposta foram expostos no Manifesto Ecossocialista Internacional (2001) que deu origem à Rede Ecossocialista Internacional (2007). Na Declaração Ecossocialista de Belém (2007) se diz claramente: “a humanidade enfrenta hoje um escolha extrema: ecossocialismo ou barbárie…visa-se parar e inverter o processo desastroso do aquecimento global em particular e do ecocídio capitalista em geral, e construir uma alternativa prática e radical ao sistema capitalista” (Löwy, pp. 114 e 119). Todos estes textos se encontram no livro de Michel Löwy.

Esta proposta se alinha ao que também propõe a Carta da Terra, fruto de uma vasta consulta na humanidade e longa maturação até ser aprovada e assumida pela UNESCO em 2003. Dentro de pouco seremos todos ecossocialistas não por opção ideológica, mas por razões matemáticas: dispomos apenas dos escassos bens naturais existentes com os quais devemos atender a todos os humanos e a toda comunidade de vida. Ou repartimos tais bens com um mínimo de equidade entre todos ou não haverá uma Arca de Noé que nos salvará. É vida ou morte.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Una aclaración con respecto al populismo

Slavoj Zizek
Público

Una entrevista que concedí hace poco, publicada primero en México y luego otra vez en la prensa latinoamericana y española, habría dado lugar a una idea por completo equivocada acerca de mi posición con respecto a la reciente tendencia populista de la política radical de izquierdas. Si bien es cierto que la revolución Bolivariana en Venezuela puede ser objeto de muchas críticas, algunas de ellas merecidas, no deberíamos olvidar que también ha sido víctima de una campaña contra-revolucionaria muy bien orquestada; en especial de una larga guerra económica.

No se trata de una táctica novedosa. Unos años atrás, durante los tempranos setenta, el entonces asesor de seguridad estadounidense Henry Kissinger aconsejó a la CIA sobre la mejor manera de desestabilizar el gobierno democrático del presidente Salvador Allende en Chile. Tras una reunión con Kissinger y el presidente Nixon el 15 de septiembre de 1970, el entonces director de la CIA Richard Helms escribió en sus notas la instrucción sucinta recibida de éstos: “¡Hagan que la economía chilena grite de dolor!”. Altos representantes del gobierno estadounidense han reconocido que el mismo procedimiento está siendo aplicado en Venezuela.

Hace apenas un par de años, el antiguo Secretario de Estado de los Estados Unidos, Lawrence Eagleburger, declaró ante el canal de noticias Fox que la relación entre el presidente Hugo Chávez y el pueblo venezolano “funcionará solamente si la población de Venezuela continúa percibiendo en su gobierno alguna capacidad para mejorar sus estándares de vida. Si en algún momento la economía comienza a ir mal, la popularidad de Chávez comenzaría a decrecer. Estas son las armas que tenemos contra él, y que deberíamos estar usando. Es decir, las herramientas económicas para hacer que la economía venezolana empeore, de manera que la influencia del chavismo en el país y la región se vaya a pique… Todo lo que podamos hacer para que la economía venezolana se encuentre en una situación difícil está bien hecho; pero hay que hacerlo de manera tal que no entremos en una confrontación directa contra Venezuela, si podemos evitarlo”.

Lo menos que se podría decir acerca de afirmaciones como esta es que dan credibilidad al argumento según el cual las dificultades económicas que enfrenta el gobierno bolivariano no son simplemente el resultado de su ineptitud en materia de política económica.

Este es el punto clave, políticamente hablando, que los liberales no pueden digerir: con toda claridad, no estamos tratando aquí con fuerzas de mercado ciegas o con reacciones naturales. Digamos por ejemplo, con los dueños de las tiendas y supermercados intentando obtener ganancias mayores mediante el acaparamiento, u ofreciendo sus productos en mercados más favorables. Antes bien, se trata de estrategias bien planificadas y muy sofisticadas. Si ello es así, ¿no se justifica entonces que el gobierno use la fuerza legítima –una suerte de terror, diríase – como medida defensiva? Por ejemplo, que la policía haga redadas en bodegas secretas, o detenga a los acaparadores y coordinadores de la guerra económica que causa escasez. Y cuando el 9 de marzo de este año el presidente Obama expidió una orden ejecutiva declarando a Venezuela una “amenaza contra la seguridad nacional” de los Estados Unidos, ¿no dio luz verde a quienes buscan “abreviar” el período del presidente Maduro, o llevar a cabo un golpe de estado? En un tono algo más moderado, más “civilizado”, es lo mismo que está ocurriendo con Grecia.

Nos enfrentamos hoy a la enorme presión de lo que deberíamos llamar sin ninguna vergüenza como “propaganda enemiga”. Según Alain Badiou, “el objetivo de la propaganda enemiga no es aniquilar a la fuerza adversaria existente (función que de manera usual le compete a la policía) sino, antes bien, aniquilar una posibilidad aún no realizada, ni siquiera percibida, en la situación actual”. Dicho de otra manera, están intentando asesinar la esperanza. El mensaje que este tipo de propaganda intenta propagar es la convicción resignada de acuerdo con la cual si éste no es el mejor de los mundos posibles por lo menos es el menos malo, así que cualquier intento de cambio radical tan sólo haría que las cosas fuesen mucho peores.

Es por ello que todas las formas de resistencia, desde Syriza en Grecia a Podemos en España, pasando por los “populismos” latinoamericanos, deben contar con nuestro más firme apoyo. Ello no quiere decir abstenernos de la más férrea crítica interna cuando ello sea del caso, pero debe tratarse estrictamente de una crítica interna, una crítica entre aliados. Como diría Mao Tse Tung, este tipo de crítica es propia de las “contradicciones al interior del pueblo” y no contradicciones entre el pueblo y sus enemigos.

La reacción del establishment europeo a la victoria de Syriza en Grecia está dando lugar, de manera gradual, a un ideal muy bien resumido en el título de una columna escrita por Gideon Rachman en el Financial Times en diciembre del 2014: “El eslabón más débil de Europa son los votantes”. Así que en un mundo ideal, Europa debería deshacerse de su “eslabón más débil” y dejar que los expertos asuman el poder para imponer de manera directa la política económica. Si acaso deban persistir las elecciones, su función sería tan sólo la de confirmar el consenso de los expertos.

La perspectiva de un resultado electoral “equivocado” provoca el pánico entre los miembros del establishment: tan pronto como esa posibilidad se asoma en el horizonte, nos pintan una imagen apocalíptica de caos social, pobreza y violencia. Y como resulta usual en tales casos, la prosopopeya ideológica hace su agosto: los mercados comienzan a hablar como si fuesen personas, expresando su “preocupación” acerca de lo que podría suceder si las elecciones no tienen como resultado un gobierno con mandato suficiente para continuar con los programas de austeridad fiscal y reforma estructural.

Recientemente, los medios alemanes caracterizaron al ministro de finanzas griego Yanis Varoufakis como un sicótico que vive en un mundo diferente al resto de nosotros. ¿Pero es él en verdad tan radical? Lo que les produce pánico no es tanto el radicalismo de Varoufakis sino su modestia pragmática y razonable. Por ello no es sorpresa que algunos sectores radicales de Syriza ya lo estén acusando de haber capitulado ante la Unión Europea. Pero si se observan con cuidado las propuestas de Varoufakis, resulta imposible pasar por alto que se trata de medidas que cuarenta años atrás habrían hecho parte de cualquier agenda social-demócrata. De hecho, el programa del gobierno sueco o el chileno en los sesenta y setenta era mucho más radical. Es un signo de la pobreza de nuestro tiempo el que hoy en día haya que pertenecer a la izquierda radical para abogar por medidas similares. Es un síntoma de la época oscurantista en que vivimos, pero también una oportunidad para que la izquierda pueda ocupar el lugar que en décadas anteriores ha venido ocupando la izquierda pacata y timorata de centro.

¿Qué sucedería si un gobierno como el de Syriza o la inspiración de Podemos fracasan? En ese caso sí sería cierto afirmar que las consecuencias serán catastróficas no solo para Grecia o España, sino para toda Europa: pues esa eventual derrota daría aún más peso a la opinión pesimista según la cual el trabajo paciente de las reformas está condenado a fracasar, y que el reformismo, antes que la revolución, constituye hoy la más inalcanzable de todas las utopías. En últimas, ello confirmaría que nos aproximamos a una era de lucha mucho más radical y violenta.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Fallece el escritor uruguayo Eduardo Galeano

Ericka Montaño
La Jornada

Los indignados de América Latina y el mundo han perdido a uno de sus guías: Eduardo Galeano se ha ido. El escritor, periodista, ensayista uruguayo, colaborador de La Jornada, falleció este lunes en Montevideo debido a un cáncer de pulmón, confirmó su casa editorial. Pero su biografía no termina con su muerte. Inició, sí, el 3 de septiembre de 1940 en Montevideo, pero entre su nacimiento y su muerte hay miles de palabras, escritas en numerosos libros, dichas en múltiples discursos, retomadas por cientos de miles de jóvenes y adultos, hombres y mujeres inconformes con los gobiernos a todo lo largo y ancho de este planeta, en todas las entrevistas concedidas, en todas esas frases que rondan Internet, en todos los artículos que publicó en La Jornada, su casa, y en todos los sueños que compartió para hacer de este un mundo menos peor.

Entre su nacimiento y su muerte están su primer libro Los días siguientes y Mujeres, una antología que acaba de publicar en España Siglo XXI Editores. Entre esos dos Las venas abiertas de América Latina, ese libro que el entonces presidente venezolano Hugo Chávez regaló al su homólogo estadunidense Barak Obama durante la V Cumbre de las Américas, en abril de 2009. Están Memoria del fuego (Los nacimientos, Las caras y las máscaras y El siglo del viento), El descubrimiento de América que todavía no fue y otros escritos, Nosotros decimos no, Palabras: antología personal y Espejos.

En 2012 visitó el país por última vez. Acababa de publicar Los hijos de los días (Siglo XXI Editores). En noviembre de ese año se presentó en la Sala Nezahualcóyotl ante miles de jóvenes que ansiaban verlo, escucharlo, conocerlo en persona, y en la clausura de la asamblea del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. En ambos casos fueron decenas de personas las que tuvieron que conformarse con escucharlo fuera de la sala o el auditorio. Eso ocurría siempre.

Entre su nacimiento y su muerte están sus varios oficios: obrero, dibujante, recaudador, pintor, mensajero, cajero de banco, mecanógrafo, editor del semanario Marcha y el diario Época, y en medio de todos ellos su pasión por el futbol. Además de un gran escuchador, como él se definía, también fue un exiliado político. Salió de Uruguay después de haber sido encarcelado por la dictadura. Cruzó el Río de la Plata para vivir en Argentina, pero de nuevo tuvo que abandonar ese país ahora con destino a España porque su nombre estaba entre los condenados por la dictadura de Videla. Fue en Cataluña, donde además de escribir para periódicos, publicó Trilogía del fuego.

Las venas abiertas de América Latina publicado años antes, en 1971, fue prohibido por el régimen dictatorial tanto en Uruguay, como en Chile y Argentina. En 1985 regresó a su país, donde fundó el semanario Brecha, publicación que en 2010 creo el Premio Memoria del Fuego, el primero en recibirlo fue el cantante y compositor español Joan Manuel Serrat. Ese mismo año Eduardo Galeano obtuvo el premio Stig Dagerman, y a lo largo de su vida recibió varios doctorados Honoris Causa por parte de universidades en Cuba, El Salvador, México y Argentina, además del premio medalla 1808, entregado en febrero de 2011 en el Antiguo Palacio del Ayuntamiento.También en 2010 recibió el Premio Manuel Vázquez Montalbán en la categoría de Periodismo Deportivo.

Siempre habló de y para los jóvenes, de y para los indígenas, en contra de los narcoestados y el neoliberalismo, en favor de la ecología y la legalización de las drogas. Habló contra el olvido. Hace unos días presidente de Venezuela, Nicolás Maduro, dio a conocer que había recibido la firma de Galeano contra el decreto por el que Obama calificó al país sudamericano como una amenaza. En México, uno de sus últimos textos publicado por La Jornada fue Leo y comparto, dedicado a los 43 estudiantes desaparecidos. “Los huérfanos de la tragedia de Ayotzinapa no están solos en la porfiada búsqueda de sus queridos perdidos en el caos de los basurales incendiados y las fosas cargadas de restos humanos. Los acompañan las voces solidarias y su cálida presencia en todo el mapa de México y más allá, incluyendo las canchas fútbol, donde hay jugadores que festejan sus goles dibujando con los dedos, en el aire, la cidra 43, que rinde homenaje a los desaparecidos”.

Siempre del lado de los pobres, de los indignados, su activismo social y compromiso con los desprotegidos lo llevó a Chiapas a conocer de cerca al Ejército Zapatista de Liberación Nacional, experiencia que vertió durante varios años en diversos artículos, por ejemplo, en Una marcha universal, publicada por este diario el 10 de marzo de 2001.

“Año 1914, año 2001: Emiliano Zapata era en el DF por segunda vez. Esta segunda vez viene desde La Realidad, para cambiar la realidad: desde la selva Lacandona llega para que se profundice el cambio de la realidad de todo México. Desde que emergieron a la luz pública, los zapatistas de Chiapas, están cambiando la realidad del país entero. Gracias a ellos y a la energía creadora que han desencadenado, ya ni lo que era es como era”.

“Los que hablan del problema indígena tendrán que empezar a reconocer la solución indígena. Al fin y al cabo, la respuesta zapatista a cinco siglos de enmascaramiento, el desafío de estas máscaras que desenmascaran, está despegando el espléndido arcoiris que México contiene y está devolviendo la esperanza a los condenados a espera perpetua. Los indígenas, está visto, sólo son un problema para quienes les niegan el derecho de ser lo que son, y así niegan la pluralidad nacional y niegan el derecho de los mexicanos a ser plenamente mexicanos sin las mutilaciones impuestas por la tradición racista, que enaniza el alma y corta las piernas”.

Eduardo Galeano es recuerdo de esas cosas que el poder -político y económico- quiere que se olviden. Galeano eres memoria.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

O sal da Terra: Em busca do elo perdido

Nina Rahe
Revista da Cultura

Além das mudanças pelas quais o fotógrafo Sebastião Salgado passou em sua carreira, o longa ‘O sal da Terra’, dirigido por Juliano Salgado, traz uma narrativa de aproximação que vai muito além dos laços sanguíneos

Em meio a uma floresta em Papua, província da Indonésia na parte ocidental da Nova Guiné, o franco-brasileiro Juliano Salgado registrou o momento em que uma tribo construía uma armadilha para caça. Assim que a tarefa terminou, após um longo período, um homem se posicionou em frente à câmera e produziu fogo utilizando pedaços de madeira e plantas secas. Emocionado ao testemunhar um dos momentos mais marcantes da história da humanidade, o documentarista de 40 anos percebeu que não eram tantas as diferenças que o distanciavam do povo de Papua: após a jornada, os homens acenderam cigarros para conversar e descansar.

Nessa viagem, ele acompanhava o renomado fotógrafo Sebastião Salgado, seu pai, na realização do projeto Gênesis, que o levou, entre 2004 e 2012, a registrar locais de natureza intocada pelo homem. Foi ali que o cineasta notou algo que Sebastião já havia descoberto há tempos, durante o percurso de mais de quatro décadas dedicadas à fotografia: nenhum homem é tão diferente; semelhanças nos aproximam dos papuas, dos índios Zo’é e até mesmo dos nenetses. “Eles estavam fazendo exatamente a mesma coisa que eu costumo fazer em Paris após um dia de trabalho: fumando para relaxar. Foi quando o abismo que parecia existir desapareceu e a viagem se transformou”, conta Juliano, que acompanhou o fotógrafo mineiro em outras quatros viagens. O resultado dessa experiência pode ser visto em O sal da Terra, filme sobre Sebastião que estreia neste mês, no qual Juliano divide a direção com o cineasta alemão Wim Wenders.

Foi um ano antes de Juliano nascer, em 1973, que Sebastião resolveu abandonar uma promissora carreira como economista para se tornar um fotógrafo independente. Pouco depois, com o objetivo de documentar a fome que assolava os africanos, ele viajou a Níger com sua esposa Lélia – na época, ela estava grávida de Juliano. O menino cresceu ouvindo as histórias do pai e o acompanhando no processo de revelação de fotos no laboratório – o cheiro do revelador, o tique-taque do relógio que contava o tempo de exposição e a luz amarela do espaço são lembranças fortes.

Juliano se habituou a ver a face de admiração e espanto dos colegas e das professoras quando contava os lugares para os quais seu pai viajava. “Ele provocava esse tipo de reação nas pessoas. Havia algo de heroico no que ele fazia”, conta. E teve que aprender a lidar também com os longos períodos de ausência, nos quais Sebastião se embrenhava mundo afora para descrever através de sua câmera as desgraças e injustiças sociais: ainda que as imagens tivessem a imprensa como suporte e fossem veiculadas em jornais e revistas da época, o interesse de Sebastião era explorar os temas a fundo, suas pesquisas duravam anos. Para concluir a série Trabalhadores, por exemplo, ele levou seis anos, de 1986 a 1992. “Eu ficava fora de casa por longos meses, sentia uma saudade enorme da Lélia. Pensava muito nela e em nosso filho Juliano, que era bem pequeno. Quantas vezes eu não chorei sozinho”, disse Sebastião no livro Da minha terra à Terra.

Alguém de fora

Em 2009, o documentarista resolveu aceitar o convite do pai para uma viagem de três semanas ao Pará, onde ficariam em contato com os indígenas Zo’é. A aventura também fazia parte de Gênesis e marcou o início de um processo de reaproximação entre os dois, que durante anos mantiveram uma relação distante e permeada de conflitos. “Era muito tempo para permanecer em um lugar onde seríamos só nós entre poucas pessoas que falavam português, mas aceitei porque achei que era um daqueles convites que não se recusam”, explica.

Não foi a primeira vez que Juliano acompanhou Sebastião em suas jornadas de trabalho. Em 1991, época em que o documentarista estava com 17 anos, ele viajou junto ao pai para Ruanda. Ali, visitaram a região de Kivu e as famosas plantações de chá. Enquanto Sebastião reunia material para Trabalhadores, o filho usava o cenário como tema para uma apresentação da escola.

Já a vivência com os Zo’é foi um importante passo na construção do relacionamento deles, tornando sua relação mais fácil. Na tribo, que desconhece a violência, ignora tanto a mentira quanto as brigas, resolvendo mal-entendidos por meio da argumentação, Juliano começou a filmar os passos de seu pai. As cenas foram editadas em um curta de poucos minutos, que encheu de lágrimas os olhos de Sebastião. “As imagens dizem muito sobre quem filma e meu pai ficou muito tocado ao ver a maneira como eu o enxergava.” Foi a motivação necessária para a ideia de desenvolver um longa-metragem sobre aquele que poderia ser o último projeto grandioso de Sebastião Salgado, hoje com 71 anos. Juntos, eles viajaram também para o Pantanal, o Grand Canyon, nos Estados Unidos, e a ilha russa de Wrangel.

Nessa época, o cineasta alemão Wim Wenders, de quem Sebastião Salgado é amigo desde a década de 1990, vinha manifestando o interesse de realizar algum trabalho a respeito do fotógrafo. Ele e Juliano iniciaram uma conversa que culminou, em 2011, com a assinatura de um contrato para a realização conjunta de O sal da Terra. O projeto já contava com um material farto de Sebastião em campo, no qual Juliano descobriu um profissional extremamente focado, com uma concentração impecável e uma disposição enorme para compreender as pessoas. Ainda assim, havia pouca abertura para a câmera. Sebastião ditou, inclusive, algumas regras que deveriam ser seguidas durante o processo: a primeira, não haveria uma equipe de filmagem, deixou nas mãos de Juliano a captação tanto do som quanto da imagem. Ele também se negou a repetir qualquer ação para o vídeo e avisou que não iria esperar pela câmera quando estivesse em movimento – as imposições eram uma forma de proteger o seu desempenho como fotógrafo. “O problema era que a nossa relação não era boa o suficiente para que eu pudesse entrevistá-lo. Tinha medo que a gente começasse alguma briga no meio, pois eram coisas que vinham acontecendo. Eu precisava de alguém de fora”, conta Juliano.


Beleza do mundo

Grande parte das entrevistas que dão corpo ao filme ficou a cargo de Wim Wenders. O cineasta alemão optou por um método de poucas perguntas: utilizando um teleprompter, exibiu uma seleção de fotografias de autoria de Sebastião, pedindo para que ele comentasse os detalhes de cada uma. O depoimento contém uma força assustadora de um alguém que parece ter experimentado muitas vidas em uma trajetória de poucas décadas. O fotógrafo, que já declarou que o maior prazer de todas as viagens era pegar o táxi para o aeroporto de onde voltaria para a mulher e os filhos, dividiu sua jornada entre a saudade da família e o enorme prazer que possuía na busca de novas imagens. Ele registrou desde grupos de refugiados da sede, da fome e da guerra em países como Etiópia, Mali e Sudão a garimpeiros da Serra Pelada, no Pará. Nas suas andanças, testemunhou tragédias inenarráveis, que o deixaram incrédulo quanto às atrocidades das quais a humanidade é capaz.

Em 1994, Sebastião encontrou em Ruanda um cenário de violência e ódio – os mortos eram tantos que acabavam empilhados, formando montanhas de cadáveres de centenas de metros de comprimento. Os sobreviventes pareciam ter se tornado insensíveis e ele começou a sentir ali que o corpo e a mente começavam a abandoná-lo. A esperança conseguiu reencontrar na fazenda onde nasceu, em Minas Gerais, quando decidiu junto à esposa transformar uma terra infértil em um ecossistema com mais de 2 milhões de árvores. Foi essa experiência que acabou o colocando no projeto de Gênesis, com a ideia de contar uma história que mostrasse a beleza do mundo. É essa transformação de um homem que chegou a perder a fé na espécie humana e conseguiu se reinventar que Wim Wenders e Juliano Salgado escolheram abordar em O sal da Terra. Para além dela, o filme também retrata em suas entrelinhas uma história de reaproximação entre um pai e um filho, entre Sebastião e Juliano. “Tinha raiva dentro de mim por conta da ausência dele, não conseguia ver mais nada. Alguma coisa mudou quando assisti aos seus depoimentos para o filme. Antes, ele era apenas meu pai e não tinha ideia dele como alguém que pôde compreender tanto do mundo.”