terça-feira, 28 de julho de 2015

En las calles de Atenas con Frantz Fanon

Omar Benderra
Fondation Frantz Fanon

Se impone recordar desde Grecia el nonagésimo aniversario del nacimiento de Frantz Fanon. El azar ha querido que me encuentre en este país en esta fecha y en estas circunstancias. En este país donde se está conduciendo fríamente a la sociedad hacia la miseria, el punto de vista de Fanon sobre los movimientos del mundo se verifica implacablemente.

Al pie del Partenón, esta Europa que se reviste del humanismo y la ilustración que habría inventado para iluminar al mundo, se revela como la vio clínicamente Frantz Fanon en su brillante conclusión de Los condenados de la tierra. Una Europa cuyo corazón está en Fráncfort y su alma entera en el mercado bancario globalizado.

Esta Europa que nosotros, los de los lugares convenientemente denominados entonces el Tercer Mundo, encontramos ahora también en los círculos infernales de los negociadores de la deuda de los clubs de Londres y París, frente a los bellacos funcionarios de los ministerios de Economía neocoloniales y sus volubles banqueros centrales o de negocios y en las "asambleas generales" de los elegantes estafadores del FMI y el Banco Mundial.

Esta Europa usurera, tendera sin alma. Esta que, parafraseando al exministro de Economía griego Yanis Varufakis, "echa una mirada vacía" sobre los pobres, los desheredados, los que deben pagar para salvar a los ricos. Esta Europa de los tecnócratas serviles y las multinacionales financieras. La Europa según Goldman Sachs, que generaliza la precariedad en el desarrollo lógico de su colusión con los burgueses apátridas, de derechas o de izquierdas, que han forjado sus lazos de sujeción con los mercados financieros.

Fanon habría cumplido 90 años este 20 de julio si el destino lo hubiera querido y nadie sabe qué pensaría del correctivo infligido al pueblo griego. Pero es más que irónico ver la arrogancia de los comandos financieros alemanes (y de sus hipócritas colaboradores) pisoteando con saña a un país que fue la matriz, lejana y un poco oriental ciertamente, pero matriz reconocida de la Europa de los filósofos y de su cultura. ¿Qué pensaría Fanon de la fría indiferencia de los demás pueblos de esta Unión Europea? ¿Habría renegado de lo que proclamaba poderosamente al final de Los condenados de la tierra?

Es cruelmente revelador observar que los pueblos de Europa no muestran mucha empatía con sus "hermanos" helenos, lo que ilustra el carácter totalmente artificial de una construcción antidemocrática basada en el beneficio y la explotación. Sin embargo la dureza inflexible de las condiciones impuestas a Atenas debería hacerle reflexionar, porque hoy el laboratorio griego es el campo de ensayo de las medicinas que impondrán mañana al resto de Europa. También esto lo describió Fanon con su lucidez quirúrgica, basta con releer Los condenados

Pero frente al poder del dinero y el cinismo de los enterradores de esperanzas hay que celebrar la valentía del pueblo griego y la solidaridad de los pueblos del Sur del mundo con los manifestantes de la plaza Syntagma. En efecto, aunque la falta de solidaridad de los pueblos del Norte es atronadora, el pueblo griego no está solo. Los que conocieron los programas de ajuste estructural, las renegociaciones, las reestructuraciones e incluso las "reperfilaciones" de la deuda –vocablo popularizado en Argelia a finales de los años 80 y principios de los 90- no ignoran nada de los sufrimientos y privaciones soportadas por los griegos. África y América Latina conocen por experiencia la religión del mercado y a los evangelistas criminales del ultraliberalismo.

La Europa de los mercados es un callejón sórdido que desemboca en el muro ciego de los populismos vulgares, de los nacionalismos criminales y en la omnipotencia del rey dinero. Más que nunca, Europa se repliega sobre los fracasos de su historia hasta la caricatura. Por lo tanto, sí, en nombre del humanismo universal y de la fraternidad humana hay que salvar a esta Europa de sí misma como invita Fanon en su última recomendación: "Por Europa, por nosotros mismos y por la humanidad, compañeros, hay que cambiar de piel, desarrollar un pensamiento nuevo, tratar de crear un hombre nuevo". En las calles de Atenas con el pueblo griego.

sábado, 18 de julho de 2015

As visões violentas de Slavoj Žižek

John Gray
The New York Review of Books

Poucos pensadores ilustram melhor as contradições do capitalismo contemporâneo do que o filósofo e teórico cultural esloveno Slavoj Žižek. A crise econômica e financeira demonstrou a fragilidade do sistema de livre mercado, cujos defensores acreditavam ter triunfado na Guerra Fria. No entanto, não há sinal de nada parecido com o projeto socialista que foi visto por muitos no passado como o sucessor do capitalismo. A obra de Žižek, que reflete essa situação paradoxal de várias maneiras, fez dele um dos intelectuais públicos mais conhecidos no mundo.

Nascido e educado na Liubliana, a capital da República Popular da Eslovênia – parte da antiga federação da Iugoslávia, até a sua fragmentação e declaração de independência, em 1990 -, Žižek ocupou cargos acadêmicos na Grã-Bretanha, Estados Unidos e Europa Ocidental, bem como na própria Eslovênia. Sua produção é prodigiosa, com mais de sessenta obras desde a publicação em 1989 de seu primeiro livro em inglês, O Sublime Objeto da Ideologia, seus livros, somados com inúmeros artigos e entrevistas, além de filmes como Žižek! (2005) e The Pervert’s Guide to Cinema (2006), lhe deram uma presença que vai muito além da academia.

Sintonizado com a cultura popular, em especial com o cinema, ele tem um número grande de seguidores entre os jovens de muitos países, incluindo os do pós-comunismo na Europa. Tem também uma revista dedicada a sua obra, o International Journal of Žižek Studies, fundado em 2007, cujos leitores se registram via Facebook. E em outubro de 2011, dirigiu-se aos membros do movimento “Occupy” em Zuccotti Park, Nova Iorque: evento amplamente divulgado que pode ser visto no YouTube.

A enorme influência de Žižek não significa que seu ponto de vista filosófico e político possa ser facilmente definido. Membro do Partido Comunista da Eslovênia até 1988, Žižek teve relações difíceis com as autoridades partidárias durante anos, em decorrência de seu interesse por ideias consideradas heterodoxas. Em 1990, candidatou-se à Presidência pelo Partido Liberal Democrata da Eslovênia, legenda de centro-esquerda que foi a principal força política do país na última década do século passado. Mas as ideias liberais, exceto por servirem como ponto de referência para posições que ele rejeita, nunca moldaram o seu pensamento.

Žižek foi demitido de seu primeiro posto de catedrático universitário no início da década de 1970. As autoridades eslovenas julgaram a tese que ele havia escrito sobre o estruturalismo francês – um movimento, na época, influente na antropologia, linguística, psicanálise e filosofia, afirmando que o pensamento e comportamento humano exemplificam-se em um sistema universal de princípios inter-relacionados – como sendo “não-marxista”. O episódio demonstrou como era limitada a liberalização intelectual promovida no país na época, mas os trabalhos posteriores de Žižek sugerem que as autoridades tinham razão ao julgar que sua orientação não era marxista.

Durante todo o enorme corpo de trabalho que tem sido acumulado, Marx é criticado por ser insuficientemente radical em sua rejeição dos modos existentes de pensamento, enquanto Hegel – uma influência muito maior sobre Žižek – é louvado por sua disposição para deixar de lado a lógica clássica a fim de desenvolver uma maneira de pensar mais dialética. No entanto, Hegel também é criticado por ter também um grande apego a modos tradicionais de raciocínio. Um tema central dos textos de Žižek é a necessidade de descartar o compromisso com a objetividade intelectual que orientou pensadores radicais no passado.

A obra de Žižek se estabelece em oposição a Marx em muitas questões. Apesar de tudo o que devia à metafísica hegeliana, Marx também foi um pensador empírico, que procurou enquadrar teorias que dessem conta do curso real dos acontecimentos históricos. Sua preocupação central não era a ideia abstrata da revolução, ele estava preocupado primordialmente, no projeto revolucionário envolvendo alterações concretas e radicais nas instituições econômicas e nas relações de poder.

Žižek mostra pouco interesse nestes aspectos do pensamento de Marx. Visando “repetir a ‘crítica marxista da economia política’ sem a noção utópico-ideológica do comunismo como seu quadro de referência obrigatório”, ele acredita que “o projeto comunista do século XX era utópico precisamente na medida em que não era suficientemente radical”. Segundo Žižek, a maneira como Marx compreendia o comunismo foi parcialmente responsável por esse fracasso: “a noção de Marx da sociedade comunista é, a própria fantasia capitalista inerente; isto é, uma projeção fantasmagórica para resolver os antagonismos capitalistas que ele descreveu tão bem”.

Embora rejeite a concepção de Marx do comunismo, Žižek não dedica nenhuma única página das mais de mil de seu livro Less Than Nothing para especificar qual sistema econômico, ou quais instituições do governo, deveriam figurar em uma sociedade comunista do tipo que a favorece. Com efeito à síntese do trabalho de Žižek , Less Than Nothing é dedicado a um tipo de reinterpretação de Marx por meio de Hegel – uma das partes do livro se chama “Marx como leitor de Hegel, Hegel como leitor de Marx” – reformulando assim a filosofia hegeliana fazendo referência ao pensamento do psicanalista francês Jacques Lacan.

Um “pós-estruturalista” que rejeita a crença de que a realidade pode ser capturada pela linguagem, Lacan também rejeita a interpretação padrão da idéia hegeliana da “astúcia da razão”, segundo a qual a história mundial é a concretização, por meios oblíquos e indiretos, da razão humana. Para Lacan, tal como Žižek o resume: A Astúcia da Razão […] não implica, de modo algum, a fé numa mão invisível que, de alguma forma, conduziria todas as contingências aparentemente irracionais à harmonia da Totalidade da Razão: de fato, a Astúcia da Razão implica confiar na irracionalidade. Nessa leitura lacaniana, a mensagem da filosofia de Hegel não é o desdobramento progressivo da racionalidade na história, mas sim a impotência da razão.

O Hegel que emergiu nas leituras de Žižek tem pouca semelhança com o filósofo idealista que figura nas histórias convencionais do pensamento. Hegel é geralmente associado com a ideia de que a história tem uma lógica intrínseca, na qual as ideias são concretizadas na prática e depois deixadas para trás, em um processo dialético no qual são superadas por outras ideias que representam o seu oposto. Inspirando-se no filósofo francês contemporâneo Alain Badiou, Žižek radicaliza a noção da dialética, propondo que ela signifique a rejeição do princípio lógico da não contradição, segundo o qual uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Desse modo, em vez de enxergar a racionalidade em ação na história, Hegel rejeita a própria razão, tal como ela foi entendida no passado.

Segundo Žižek, está implícito em Hegel um novo tipo de “lógica paraconsistente”, na qual uma proposição “não é realmente suprimida pela sua negação”. Essa lógica, sugere Žižek, é bem adequada para se compreender o capitalismo hoje. “Pois não é o capitalismo ‘pós-moderno’ um sistema cada vez mais paraconsistente”, pergunta ele retoricamente, “no qual, de várias maneiras, P não é P: a ordem é a sua própria transgressão, de tal forma que o capitalismo pode prosperar sob um governo comunista, e assim por diante?”

Living in the End Times é apresentado por Žižek como uma obra preocupada com essa situação. Resumindo o tema central do livro, ele escreve: O ponto de partida do presente livro é simples: o sistema capitalista global aproxima-se de um ponto zero apocalíptico. Seus “quatro cavaleiros do Apocalipse” são a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta iminente por matéria-prima, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais.

Com suas generalizações e sua grandiloquência retórica, a passagem é típica do trabalho de Žižek. O que ele chama de premissa do livro é simples só porque passa por cima de fatos históricos. Ao lê-la, ninguém iria suspeitar que, além da matança de milhões por motivos ideológicos, alguns dos piores desastres ecológicos do século passado – tais como a destruição da natureza na antiga União Soviética ou a devastação do campo durante a Revolução Cultural de Mao – ocorreram em economias planificadas. A devastação ecológica não resulta apenas do sistema econômico vigente hoje em grande parte do mundo. Embora possa ser verdade que a versão predominante do capitalismo é insustentável em termos ambientais, nada na história do século passado sugere que o meio ambiente estará mais protegido se for implantado um sistema socialista.

Mas criticar Žižek por ignorar esses fatos é não compreender sua intenção. Ao contrário de Marx, ele não pretende fundamentar suas teorias em uma leitura da história baseada em fatos. “A conjuntura histórica atual não nos obriga a abandonar a noção de proletariado, ou da posição proletária – ao contrário, ela nos obriga a radicalizá-la até um nível existencial, para além até mesmo da imaginação de Marx”, escreve ele. “Precisamos de uma noção mais radical do sujeito proletário [ou seja, o ser humano que pensa e age], um sujeito reduzido ao ponto evanescente do ‘Penso, logo existo’ cartesiano, esvaziado do seu conteúdo substancial.” Nas mãos de Žižek, as ideias marxistas – as quais, na visão materialista de Marx, se destinavam a designar fatos sociais objetivos – se tornam expressões subjetivas de compromisso revolucionário. Saber se essas ideias correspondem a alguma coisa que existe no mundo é irrelevante.

Há um problema neste ponto: por que alguém haveria de adotar as ideias de Žižek, e não quaisquer outras? A resposta não pode ser “porque as ideias do filósofo são verdadeiras”, em qualquer sentido tradicional da palavra. “A verdade de que estamos tratando aqui não é a verdade ‘objetiva’”, escreve Žižek, “mas sim a verdade autorreferente a partir da posição subjetiva de alguém; como tal, é uma verdade engajada, medida não pela sua precisão factual, mas sim pela forma como ela afeta a posição subjetiva da enunciação.”

Se isso significar alguma coisa, quer dizer que a verdade é determinada pela forma como se encaixa nos projetos com que o orador está comprometido – no caso de Žižek, o projeto da revolução. Mas isso só nos leva a colocar o problema em outro nível: por que alguém deveria adotar o projeto de Žižek? A pergunta não pode ter uma resposta simples, uma vez que está longe de ser claro no que consiste o seu projeto revolucionário.

Ele não dá sinais de duvidar que uma sociedade em que o comunismo fosse posto em prática seria melhor do que qualquer outra que já existiu. Por outro lado, ele é incapaz de imaginar quaisquer circunstâncias em que o comunismo pudesse ser concretizado: “O capitalismo não é apenas uma época histórica entre outras. […] Francis Fukuyama tinha razão: o capitalismo global é o fim da história.” O comunismo não é para Žižek – como era para Marx – uma condição realizável, mas sim o que o filósofo Alain Badiou descreve como uma “hipótese”, um conceito com pouco conteúdo, mas que permite a resistência radical contra as instituições vigentes. Žižek insiste que essa resistência deve incluir o uso do terror:

A ideia provocante de Badiou de que se deve reinventar hoje o terror emancipatório é um dos seus insights mais profundos. […] Lembrem-se da defesa exaltada do Terror na Revolução Francesa feita por Badiou, na qual ele cita a justificativa da guilhotina para Lavoisier: “A República não precisa de cientistas.”

Junto com Badiou, Žižek celebra a Revolução Cultural de Mao como “a última grande explosão realmente revolucionária do século XX”. Mas ele também a considera como sendo um fracasso, citando a conclusão de Badiou de que “a Revolução Cultural comprova, em seu próprio impasse, a impossibilidade de libertar, verdadeiramente e globalmente, a política do arcabouço do Estado de partido único”. Mao, ao incentivar a Revolução Cultural, evidentemente deveria ter encontrado uma maneira de quebrar o poder do partido-Estado. Mais uma vez, Žižek elogia o Khmer Vermelho por ter tentado romper totalmente com o passado. Essa tentativa incluiu matanças em massa e tortura numa escala colossal. Mas, na visão de Žižek, não é por isso que fracassou: “De certa forma, o Khmer Vermelho não foi suficientemente radical: embora levasse a negação abstrata dos limites do passado, não foi inventado qualquer forma nova de coletividade.” Uma revolução genuína pode ser impossível nas atuais circunstâncias, ou em qualquer uma que possa ser imaginada na atualidade. Mesmo assim, a violência revolucionária deve ser comemorada como “redentora”, até mesmo “divina”.

Embora Žižek defina-se como leninista, não há nenhuma dúvida de que essa posição seria um anátema para o líder bolchevique. Lênin não tinha escrúpulos em usar o terror para promover a causa do comunismo (para ele, um objetivo plenamente alcançável). Constantemente utilizada como parte de uma estratégia política, a violência era de natureza instrumental. Em contrapartida, apesar de Žižek aceitar que a violência não conseguiu atingir os objetivos comunistas e que não há perspectiva de que venha a fazê-lo, ele insiste em que a violência revolucionária tem um valor intrínseco como uma expressão simbólica de rebelião – uma posição que não tem paralelos com Marx ou Lênin. Pode-se encontrar um precedente no trabalho do psiquiatra francês Frantz Fanon, que defendeu o uso da violência contra o colonialismo como uma afirmação de identidade das populações submetidas ao poder colonial; mas Fanon observou essa violência como parte de uma luta pela independência nacional, um objetivo que foi, de fato, alcançado.

Um precedente ainda mais claro, pode ser encontrada na obra do teórico e sindicalista francês Georges Sorel no início do século XX. Em “Réflexions sur la violence” (1908), Sorel argumenta que o comunismo foi um mito utópico- mas um mito que tinha valor, ao inspirar uma revolta moral regeneradora contra a corrupção da sociedade burguesa. Os paralelos entre essa visão e a ideia de Žižek sobre a “violência redentora” inspirada pela “hipótese comunista” são reveladores.

A celebração da violência é uma das principais vertentes na obra de Žižek. Ele encontra defeitos em Marx por ele pensar que a violência pode ser justificada como sendo parte do conflito entre as definição objetivas das classes sociais. A luta de classes não deve ser entendida como “um conflito entre agentes particulares dentro da realidade social: não é uma diferença entre agentes (que pode ser descrita por meio de uma análise social detalhada), mas sim um antagonismo (‘luta’) que constitui esses agentes”. Aplicando essa visão ao discutir os massacres de Stalin ao campesinato, Žižek descreve como a distinção entre os kulaks (camponeses ricos) e os demais tornou–se “turva e inviável: numa situação de pobreza generalizada é evidente que os critérios deixaram de ser aplicáveis, e as outras duas classes de camponeses muitas vezes se uniam aos kulaks em sua resistência à coletivização forçada”. Em resposta a essa situação, as autoridades soviéticas introduziram uma nova categoria, o sub-kulak, um camponês pobre demais para ser classificado como kulak, mas que partilha os valores dos kulaks: A arte de identificar um kulak deixou de ser uma questão de análise social objetiva; tornou-se uma espécie de complexa “hermenêutica de suspeita”, de identificar “as verdadeiras atitudes políticas” de um indivíduo escondidas debaixo das suas enganosas afirmações públicas.

Descrever assassinatos em massa dessa forma, como um exercício de hermenêutica, é repugnante e grotesco; é também característico da obra de Žižek. Ele critica a política de coletivização de Stalin, mas não por causa dos milhões de vidas que foram violentamente interrompidas ou destruídas em seu curso. O que Žižek critica é o apego persistente de Stalin (por mais incoerente ou hipócrita) aos “termos marxistas ‘científicos’”. Confiar na “análise social objetiva” como orientação em situações revolucionárias é um erro: “Em algum momento, o processo tem que ser interrompido com uma intervenção maciça e brutal de subjetividade: o pertencimento de classe nunca é um fato social puramente objetivo, mas também é o resultado da luta e do compromisso social.” O que Žižek condena em Stalin não é o uso implacável da tortura e de sua força letal, mas sim, o fato de ter tentado usar tais artifícios para justificar o recurso sistemático à violência em referências à teoria marxista.

A rejeição de Žižek a qualquer coisa que possa ser descrita como um fato social vem junto com a sua admiração pela violência na interpretação que faz sobre o nazismo. Comentando o envolvimento do filósofo alemão Martin Heidegger com o regime nazista, Žižek escreve: “Seu envolvimento com os nazistas não foi um simples erro, mas sim ‘um passo certo na direção errada’.” Contrariamente a muitas interpretações, Heidegger não era um reacionário radical. “Lendo Heidegger, ao contrário da maioria, descobre-se que era um, que havia alguns pontos, estranhamente próximo ao comunismo” – realmente, em meados dos anos 30, Heidegger poderia ser considerado como sendo “um futuro comunista”. Se Heidegger escolheu, equivocadamente, apoiar Hitler, seu erro não foi subestimar a violência que Hitler iria desencadear:

O problema com Hitler era que ele “não foi suficientemente violento”, sua violência não foi suficientemente “essencial”. Hitler realmente não agia; e todas as suas ações eram, fundamentalmente, reações pois ele agia de modo que nada fosse mudar realmente, encenando um gigantesco espetáculo de pseudo-revolução para que a ordem capitalista sobrevivesse. […] O verdadeiro problema do nazismo não é que tenha ido “longe demais” em sua arrogância subjetivista-niilista de exercer o poder total, mas sim do fato que o nazismo não foi longe o suficiente; sua violência foi uma encenação impotente que, em última análise, manteve-se a serviço da própria ordem que desprezava.

O que havia de errado com o nazismo, ao que parece, é que – tal como a experiência mais tarde na revolução total do Khmer Vermelho – ambos não conseguiram criar qualquer novo tipo de vida coletiva. Žižek diz pouco sobre a natureza da forma de vida que poderia ter surgido caso a Alemanha tivesse sido governada por um regime menos reativo e com maior impotência do que ele julga Hitler ter sido. Mas Žižek deixa claro que não haveria espaço nessa nova vida para uma determinada forma da identidade humana:

O status fantasmático do antissemitismo é claramente revelado por uma declaração atribuída a Hitler: “Temos que matar o judeu dentro de nós.” […] Essa declaração de Hitler diz mais do que ela quer dizer: contra as suas intenções, confirma que os gentios precisam da figura antissemita do “judeu” a fim de manter sua identidade. A questão, portanto, não é apenas que “o judeu está dentro de nós” – o que Hitler fatalmente esqueceu de acrescentar é que ele, o antissemita, também está no judeu. O que esse entrelaço paradoxal significa para o destino do antissemitismo?

Žižek explicita ao censurar “certos elementos da esquerda radical” pelo “seu mau-estar quando se trata de condenar de forma inequívoca o antissemitismo”. Mas é difícil entender a afirmação de que a identidade dos antissemitas e a dos judeus reforçam-se mutuamente, de alguma forma – repete-se, palavra por palavra, em Less than Nothing –, exceto como sendo uma sugestão de que o único mundo em que o antissemitismo pode deixar de existir é aquele mundo em que não exista mais judeus.

Interpretar Žižek sobre esta ou qualquer outra questão, tem suas dificuldades. Primeiramente existe a sua prolixidade excessiva, o fluxo de textos que ninguém poderia ler em sua totalidade, mesmo porque sua torrente não cessa de jorrar. Depois, há o uso de um tipo de jargão acadêmico com alusões a outros pensadores, o que lhe permite usar a linguagem de uma forma astuta, hermética. Como ele próprio reconhece, Žižek toma emprestado o termo “violência divina” de “Para uma crítica da violência”, obra de Walter Benjamin (1921). É duvidoso que Benjamin, um pensador com afinidades importantes com o marxismo humanista da Escola de Frankfurt, tivesse descrito como sendo “divino” o Khmer Vermelho ou o frenesi destrutivo da Revolução Cultural maoista.

Mas isso não vem ao caso, pois, ao utilizar a construção de Benjamin, Žižek é capaz de louvar a violência e, ao mesmo tempo, argumentar que está falando da violência em um sentido especial, recôndito – um sentido em que se pode descrever Gandhi como sendo mais violento do que Hitler. E há, ainda, o constante recurso de Žižek no jogo de palavras laborioso e em efeito “palhaço de circo”:

A […] virtualização do capitalismo é, em última análise, a mesma do elétron na física das partículas. A massa de cada partícula elementar é constituída por sua massa em repouso mais o excedente fornecido pela aceleração do seu movimento; no entanto, a massa de um elétron em repouso é zero, pois a sua massa consiste apenas no excedente gerado pela aceleração, como se estivéssemos lidando com um nada que adquire uma substância enganosa apenas por magicamente girar até tornar-se um excesso de si mesmo.

É impossível ler o trecho acima sem lembrar o caso Sokal, em que Alan Sokal, um professor de física, apresentou um artigo paródia – “Transgredindo as fronteiras: rumo a uma hermenêutica transformativa da gravidade quântica” – a uma jornal de estudos culturais pós-modernos. Do mesmo modo, é difícil ler isso, e muitas passagens semelhantes de Žižek, sem suspeitar que ele esteja envolvido – intencionalmente ou não – em uma espécie de auto-paródia.

Pode existir aqueles que são tentados a condenar Žižek como um filósofo do irracionalismo, cujo louvor à violência é uma reminiscência da extrema-direita, mais do que da esquerda radical. Seus escritos com frequência são ofensivos e às vezes (como ao escrever que Hitler está presente “no judeu”), obscenos. Há uma frivolidade zombeteira na exaltação de Žižek ao terror que faz lembrar Gabriele D’Annunzio, um futurista italiano ultranacionalista, e seu companheiro de viagem, o fascista (e depois maoista) Curzio Malaparte, mais do que qualquer pensador na tradição marxista. Mas há uma outra leitura de Žižek, que pode ser mais plausível, em que ele não é um epígono da direita, assim como não é discípulo de Marx ou Lênin.

Seja ou não, uma visão marxista do comunismo “uma fantasia do próprio capitalismo”, o fato é que a visão de Žižek – além de rejeitar concepções anteriores, carece de qualquer conteúdo definitivo – está bem adaptado a uma economia baseada na produção contínua de novas experiências e novos produtos, cada um supostamente diferente de qualquer outro que tenha existido antes. Com a ordem capitalista vigente ciente de que está em apuros, mas incapaz de conceber alternativas viáveis, o radicalismo sem forma de Žižek é ideal para uma cultura paralisada pelo espetáculo da sua própria fragilidade. Não é de se surpreender que haja esse isomorfismo entre o pensamento de Žižek e o capitalismo contemporâneo. Afinal, apenas uma economia do tipo que existe hoje poderia produzir um pensador como Žižek. O papel de intelectual público mundial que Žižek desempenha surgiu juntamente com um aparato de mídia e uma cultura da celebridade que são parte integrante do atual modelo de expansão capitalista.

Em uma conquista estupenda de superprodução intelectual, Žižek criou uma crítica fantasmática da ordem presente, uma crítica que firma repudiar praticamente tudo o que existe atualmente, e em certo sentido realmente o faz; mas que, ao mesmo tempo, reproduz o dinamismo compulsivo, sem propósito, que ele enxerga nas atividades do capitalismo. Ao alcançar um conteúdo enganoso com a reiteração interminável de uma visão essencialmente vazia, a obra de Žižek – ilustra muito bem os princípios da lógica paraconsistente – consiste, no final, em menos que nada.

terça-feira, 14 de julho de 2015

O golpe econômico da Alemanha contra a Grécia

Alfredo Serrano
Público

Mais uma vez, a resposta foi fechar o cadeado contra as alternativas. A Alemanha quer a União Europeia assim e de nenhuma outra forma. Não tolera nem permite que ninguém a contrarie. Por exemplo, quando, em 2005, os franceses e os holandeses rejeitaram o Tratado Constitucional, a Alemanha tirou da manga um inesperado Tratado de Lisboa, que substituiu o anterior, mas sem a necessidade de ser submetido ao voto popular. O país tampouco é um exemplo no que diz respeito a cumprimento de regras. O estilo de Angela Merkel é naquela linha de que as regras só servem quando não seja ela mesma obrigada a cumpri-las. Por exemplo, a Alemanha nunca cumpriu o limite estabelecido pela própria União Europeia com relação ao superavit por conta corrente (em Procedimentos de Desequilíbrio Macroeconômico). Esse limite deveria ser tratado da mesma forma que se trataram os deficits dos países do sul em outras variáveis econômicas, porque tanto uns quanto outro são ameaças para a estabilidade da Zona Euro. Mas não. A Alemanha se dá o direito de passar por cima dessa e de outras normas, porque parece que adquiriu o poder de ser o único país que decide o que será punido e como. Outros exemplos são as 14 vezes que a mesma Alemanha deixou de cumprir os limites de deficit (3% do PIB) ou de dívida (60%), estabelecidos pelo Tratado de Maastricht, entre 2000 e 2010, também impunemente.

Nestes últimos anos, a Grécia vinha sendo uma enorme dor de cabeça, por isso, desta vez, a Alemanha se empenhou para que não houvesse nenhum passo para trás na postura que impôs desde o primeiro momento. A irreversibilidade da Zona Euro deve ser alcançada custe o que custar, segundo a doutrina Merkel. Em 2011, o então presidente grego, o socialista Geórgios Papandreu propôs que os cidadãos gregos se pronunciassem em referendo sobre o segundo resgate aprovado por Bruxelas, que chegava a 130 bilhões de euros. Mas a Alemanha pressionou e impediu que a consulta popular acontecesse. Essa coisa de dar voz ao povo não é bem vista pela democracia made in Zona Euro.

Ao vencer pela primeira vez a vontade popular dos gregos, a Alemanha avisou aos navegantes europeus que os referendos só estavam permitidos quando se referissem a direitos e liberdades civis, sem afetar o âmbito econômico. Merkel pilotou o barco da economia junto com os gigantes do setor financeiro – aquilo que, depois, a imprensa chama de “decisões técnicas”, apesar serem o fiel reflexo da política em seu estado puro. Nesta Europa, alguns poucos mantêm o poder de desenhar a organização da casa, sem permitir que a periferia opine. E se opina, como fez o povo grego no último referendo, não vale nada.

Como em 2011, a Alemanha pressionou para evitar que Alexis Tsipras consultasse o povo; não conseguiu e não gostou de ter perdido. Teve a paciência de esperar o momento em que o cabo da frigideira europeia voltou às suas mãos. Os alemães sabem que dentro da Zona Euro a margem de negociação é bastante estreita. A construção desta União Europeia é um ferrolho em si mesma, tudo se conversa por fora, nada por dentro. E por dentro, no final, quem decide é a Alemanha.

E assim foi. A Grécia, com o povo grego a seu favor, pretendia por sobre a mesa o seguinte acordo: reestruturação da dívida em troca de aceitar algumas receitas da política econômica neoliberal. Na teoria deste jogo, sabe-se que só são válidas as opções que sejam verdadeiramente viáveis. Talvez por essa razão, o então ministro da Fazenda grego Yanis Varoufakis pediu demissão após a vitória do Syriza no referendo, antes de retomar as negociações. Ele sabia que dentro da Zona Euro não havia uma proposta firme por parte da Grécia, e que essa posição terminaria levando o país a ceder mais ao que fosse imposto pela Alemanha. Com relação à possível saída do euro, o mesmo ex-ministro reconheceu, em seu último artigo no The Guardian, que “devido a falta de uma real infraestrutura para gestar uma saída imediata, o ´Grexit´ seria como o anúncio de um enorme processo de desvalorização, com 18 meses de antecipação: uma receita para a liquidação de todo o estoque de capital grego e sua transferência ao exterior, por todos os meios disponíveis”. Ou seja, o custo de sair do euro agora é tão grande quanto o de ficar. A encruzilhada perfeita, novamente made in Zona Euro. O acordo da Alemanha, no típico estilo pegar ou largar, exige da Grécia um fundo de 50 bilhões de euros a partir das privatizações, subir o imposto sobre o comércio para alimentos e outros bens, congelar aposentadorias e pensões, aumentar a idade de aposentadoria para os 67 anos, reforma das leis trabalhistas e seguir reduzindo a administração pública. Isso tudo em nome de um resgate de 86 bilhões de euros (a favor dos credores da dívida grega), que nada tem a ver com a reestruturação pretendida pelo país helênico.

O estado-nação chamado Alemanha impõe seu modelo: um esquema supranacional europeu à sua mercê, que lhe permite competir em plena transição geoeconômica em direção a um mundo multipolar. A única aliança sem nacionalidade permitida dentro de casa é aquela que existe no âmbito das megaempresas transnacionais com matrizes na União Europeia. Esse pacto está bem selado por todas as grandes empresas privadas europeias, e nele não há lugar para o povo grego e seu afã por decidir seu próprio destino, tampouco para quem quiser defender seus direitos sociais. Portanto, com este panorama vigente na Europa, por enquanto não há nada mais a fazer. Apesar de sua legitimidade, os votos não têm poder legal suficiente para reverter os acordos financeiros.

A lição é contundente. A Alemanha jogou sabendo que ganhava, porque sabia que a Grécia não iria por sobre a mesa a saída do euro. Como sabia que a Grécia queria ficar dentro, pode manejar a situação para que as cartas fossem repartidas desigualmente. Tsipras ganhou em casa por goleada, graças aos votos e a vontade dos gregos, mas perdeu fora, onde o poder financeiro manda. Sendo assim, já é hora de discutir seriamente sobre aquilo que chamam de democracia, mas que não parece ser uma real expressão da vontade popular.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Los desafíos de Cuba

Janette Habel
Le Monde diplomatique

El acercamiento entre Cuba y Estados Unidos, simbolizado por el apretón de manos de sus presidentes en la VII Cumbre de las Américas, es sólo una de las transformaciones que vive la isla. A la apertura económica en curso se suma el debate por la reforma política. En 2018, Raúl Castro, que para entonces habrá alcanzado la edad de 86 años, no se postulará para un nuevo mandato presidencial. Dentro de tres años, la generación de Sierra Maestra habrá dejado el poder. Tres años es poco para reformar la economía del país, adoptar una nueva Constitución y controlar la normalización de las relaciones con Washington, simbolizada por el encuentro en abril de los presidentes cubano y estadounidense en la Cumbre de las Américas de Panamá. ¿Sobrevivirá el régimen a la desaparición de su histórica dirección?

El Partido Comunista Cubano (PCC) ya designó un sucesor: el primer vice-presidente Miguel Díaz Canel. Pero los desafíos no desaparecen. Para afrontarlos, Castro se apoya en las Fuerzas Armadas Revolucionarias (FAR), el ejército nacional, del que fue ministro durante medio siglo, en el PCC y en la Iglesia Católica, en el corazón de las negociaciones con Washington. Mientras que las reformas económicas ahondaron las desigualdades, se generaliza la incertidumbre sobre el futuro del país. El PCC intenta responder lanzando consultas populares en los períodos previos a los Congresos. Castro aseguró que sucedería lo mismo para el séptimo, previsto para abril de 2016. Pero ya comenzaron los debates entre los intelectuales, miembros y no miembros del PCC, en especial en la web, a pesar de un limitado acceso a Internet.

Raúl Castro se dedicó a “actualizar” el socialismo cubano –un eufemismo para designar la liberalización económica iniciada en 2011–. Incluso si esas reformas desmantelan la sociedad que él había intentado construir, Fidel Castro no las cuestionó. “El modelo cubano ya no funcionaba, ni siquiera para nosotros”, reconoció el ex Presidente (The Atlantic, septiembre de 2010). La situación económica casi no dejaba opción. La ayuda de Caracas había permitido que entre 2005 y 2007 la isla alcanzase un índice de crecimiento promedio del 10%, pero la crisis financiera y las dificultades del socio bolivariano cambiaron la ecuación: “En 2013, el comercio entre Cuba y Venezuela cayó mil millones de dólares; en 2014, podría descender aun más”, prevenía en octubre de 2014 el economista cubano Omar Everleny Pérez Villanueva. Según algunas estimaciones, esta baja representaría el 20% del volumen anterior.

Ganadores y perdedores

En marzo de 2014, el gobierno adoptó una nueva ley sobre las inversiones extranjeras, que Raúl Castro calificó de “crucial”. Con excepción de salud, educación y defensa, hoy todos los sectores están abiertos a los capitales extranjeros, con la seguridad de una exención de impuestos durante ocho años, incluso más en ciertos casos, en particular en las “zonas especiales de desarrollo económico”, como el puerto Mariel, construido con ayuda de Brasil. Sin embargo, los proyectos propuestos deben recibir el aval de organismos gubernamentales: “No es el capital el que define la inversión”, señala Deborah Rivas, directora de Inversión Extranjera en el Ministerio de Comercio Exterior. El economista Jesús Arboleya Cervera subraya: “Los emigrados cubanos ya son inversores indirectos en los comercios pequeños [a través del dinero que envían a sus familias]; hoy, su participación a mayor escala ya no está prohibida por ley, sino por el embargo”. La contratación de trabajadores se realiza bajo el control de agencias estatales.

No obstante, para algunos la transformación de la isla avanza todavía con demasiada lentitud: “No se puede ‘actualizar’ algo que nunca funcionó –se exaspera Pérez Villanueva–. No hay crecimiento. Con la ayuda de Dios, este año quizás alcanzaremos el 1%”. A esta preocupación económica, la joven socióloga Ailynn Torres responde mediante una interrogación política: “¿Qué se pretende con el modelo económico que nos proponen? ¿Quiénes son los ganadores y los perdedores de ese modelo?”.

Según el discurso oficial, instilar una dosis de mercado en la economía de la isla debería permitir mejorar sus rendimientos sin debilitar la justicia social. Ahora bien, actualmente la pobreza alcanza al 20% de la población urbana (en lugar del 6,6% de 1986). La libreta de abastecimiento, cuya supresión había sido anunciada, después debió ser prorrogada porque su extinción hubiera perjudicado a los más pobres. En una sociedad donde la igualdad constituye una marca de identidad, aparecen cada vez más claramente quiénes son los beneficiarios y quiénes las víctimas de las reformas.

Según el mismo Raúl Castro, entre las víctimas se cuentan “los asalariados del Estado, remunerados en pesos, cuyo salario no les basta para vivir”, los ancianos –es decir un millón setecientos mil ciudadanos– “con jubilaciones que son insuficientes en relación con el costo de vida”, pero también las madres solteras, la población negra –que no se beneficia, o en poca medida, de los aportes financieros de los cubano-estadounidenses– y los habitantes de las provincias orientales. Entre los ganadores figuran los empleados de empresas mixtas, los asalariados del turismo, los campesinos del sector agrícola privado, una parte de los cuentapropistas, en resumen, toda una población que tiene acceso a una moneda fuerte: el CUC (Convertible Unit Currency). En efecto, desde 2004, se agregó al peso cubano esta segunda moneda; un CUC equivale a 24 pesos tradicionales. El CUC apuntaba a reemplazar al dólar, autorizado en 1993. Por lo que hay dos economías que funcionan en paralelo: la del peso y la del CUC, que manejan los turistas y todos los cubanos que trabajan en ese sector.

Con el fin de controlar las tensiones que suscitan esas disparidades, Castro cuenta con la lealtad de las FAR para conciliar la liberalización económica y mantener un sistema político de partido único. En efecto, desde la gran crisis de los años 90, la jerarquía militar maneja sectores esenciales de la economía gracias al Grupo de Administración Empresarial S.A. (GAESA), un holding de empresas al que controla. En su seno se experimentó el “perfeccionamiento de las empresas”, tomado de las técnicas gerenciales occidentales para estimular la productividad. En la población persiste el prestigio de las FAR, pero los privilegios que gozan sus miembros suscitan críticas. Así, no es raro escuchar: “Ellos no tienen problemas de vivienda” (en alusión al complejo inmobiliario moderno reservado a los militares y a sus familias en La Habana). En cuanto al PCC, perdió influencia, pero Castro rejuveneció, feminizó y mestizó su dirección. Para el economista Pedro Monreal González, el PCC conserva su credibilidad y “el Estado todavía goza de un apoyo popular debido a su capacidad de suministrar bienes públicos que muchos cubanos consideran esenciales”.

Las discusiones actuales

En febrero de 2015, el PCC anunció que antes de terminar el mandato de Raúl Castro entraría en vigor una nueva ley electoral. Este anuncio sucede al de febrero de 2013 relativo a la creación de una comisión para la reforma de la Constitución. ¿Cómo renovar la dirección entronizando cuadros que carecen de la legitimidad de los antiguos, en ausencia de un debate público que permita elegir entre candidatos con diferentes propuestas? El modo actual de designación, que en última instancia necesita el aval del PCC, parece poco viable en el largo plazo.

Espacio laical, la revista que publica el arzobispo de La Habana (con estatus no oficial), durante mucho tiempo fue el lugar privilegiado de los debates políticos. Durante una década consagró sus coloquios y artículos a la reforma de la Constitución, el lugar del PCC, la refundación de los Órganos de Poder Popular (OPP). Los responsables de Espacio laical, los católicos laicos Roberto Veiga y Lenier González, insistían en el “contraste entre el pluralismo de la sociedad y la falta de espacios para la manifestación de dicho pluralismo”. Pero en junio de 2014 ambos hacían pública su renuncia forzosa como consecuencia de las “muy graves” críticas contra ellos y contra el cardenal Jaime Ortega y Alamino. Visiblemente, el arzobispo deseaba que la revista adoptara un enfoque más “pastoral”, es decir menos político. Cuatro meses más tarde, el Centro Cristiano de Reflexión y Diálogo-Cuba, aceptaba apadrinar un proyecto similar con la revista Cuba posible, coordinada por Veiga y González. El primer número daba cuenta de un coloquio consagrado a la soberanía del país y el futuro de sus instituciones.

El artículo V de la Constitución actual es objeto de fuertes críticas. Allí, el PCC es definido como el “discípulo de las ideas de José Martí [inspirador de la independencia cubana] y del marxismo-leninismo”, y como “la vanguardia organizada de la nación cubana, la fuerza dirigente superior de la sociedad y el Estado”. Una definición que impugna la Iglesia, pero también los investigadores. “La idea de partido de vanguardia se deforma al traducirse en partido de poder”, nos dice el sociólogo Aurelio Alonso. Sin embargo, la construcción de un “Estado inclusivo que pueda contar con un pluralismo político e ideológico” constituye una tarea urgente. ¿Pluralismo o pluripartidismo? Para Veiga, tiene que contemplarse “la posibilidad de autorizar la existencia de otras fuerzas políticas arraigadas en los fundamentos de la Nación”, incluso si no piensa que sea realista en el corto plazo. Hoy, nadie sabe si la reforma electoral anunciada permitirá la elección de diputados cercanos a la Iglesia, o incluso de otras personalidades independientes.

El debate se refiere también a las modalidades de elección del presidente, cuyo mandato actualmente se limita a un máximo de dos veces por un período de cinco años. Para algunos, el escrutinio debería realizarse por sufragio universal directo, a fin de darle legitimidad electoral al nuevo mandatario. El politólogo Julio César Guanche pone énfasis en una refundación del “poder popular” oficialmente encarnado por las asambleas municipales, provinciales y nacional. Hay que construir una “ciudadanía democrática y socialista”, declara el sociólogo Ovidio d’Angelo. Pero las “organizaciones de masas” están demasiado “subordinadas al PCC” para convertirse en su expresión. Más cuando “el discurso oficial socava la base de su propia legitimidad histórica”, observa Guanche. Y precisa: “El cuestionamiento del ‘igualitarismo’ abre la vía al cuestionamiento del ideal más poderoso del socialismo: la igualdad”. Una crítica apenas velada al discurso de Castro, que en el Congreso de la Central de Trabajadores Cubanos (CTC) denunció “el paternalismo, el igualitarismo, las gratuidades excesivas y las subvenciones indebidas, la vieja mentalidad forjada a lo largo de los años”.

Esta “vieja mentalidad” no exceptúa al PCC, donde reina el hábito de la unanimidad y las veleidades de censura. Esas prácticas suscitan cuestionamientos. Por primera vez, en la Asamblea Nacional se vio a un diputado levantar la mano para votar contra el nuevo Código del Trabajo: la de Mariela Castro, hija de Raúl, en señal de protesta contra la negativa de incluir en el texto la prohibición de discriminaciones sexuales. Asimismo, la desprogramación de la película del cineasta francés Laurent Cantet Retour à Ithaque (2014), que ilustra el desencanto cubano, suscitó la protesta de algunos de sus colegas cubanos.

En ese contexto, el restablecimiento de las relaciones diplomáticas con Estados Unidos aparece tan necesario como peligroso. El gobierno cubano sabe que el objetivo de Washington es derrocar al régimen. Por el momento, ganó la primera partida al no hacer ninguna concesión; pero ahora su optimismo es más tibio. “Se corre el riesgo de que se apoderen de todo, como lo hacen en todas partes. ¿Qué quedará para los cubanos?”, se pregunta un jubilado. “Acaban de comprar a uno de nuestros jugadores de béisbol por 63 millones de dólares”, agrega otro. “Son muchos los que ya no saben realmente cuál será su futuro”, constata el sociólogo Rafael Acosta. ¿Qué pasará después de levantado el embargo? ¿Cómo controlar el flujo de dólares y turistas? Entre los temas de discordia figuran las miles de propiedades nacionalizadas en ocasión de la Revolución. El gobierno no piensa indemnizar a los propietarios que dejaron el país. Pondrá en la balanza el costo (evaluado en 100.000 millones de dólares) de un embargo de medio siglo y la restitución de la base de Guantánamo.

La abrogación completa del embargo necesita el acuerdo del Congreso estadounidense, donde republicanos y demócratas están divididos. El 14 de abril, por fin, Obama retiró a Cuba de la lista de Estados “que apoyan al terrorismo”, pero el Congreso dispone de cuarenta y cinco días para oponerse. Debería seguir el restablecimiento de relaciones diplomáticas y el nombramiento de dos embajadores. En cuanto al proceso de normalización, promete ser largo. La Habana aprovechará esta lenta marcha para evitar la desestabilización del país y cultivar sus relaciones con América Latina, China y la Unión Europea.

De cualquier manera, en ausencia de un dirigente histórico que encarne el combate contra el “Imperio”, existe el riesgo de que en el futuro resulte cada vez más difícil unir y movilizar a la población cubana.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Três mitos gregos e uma ausência

José Vicente Barcia
Público

A social-democracia europeia, se é que ainda podemos chamá-la assim, é cúmplice ativa das políticas que estão assassinando a sociedade grega.

A Europa já sem alma e armada de capital e tem toda a munição nas mãos para romper, esmagar e difamar uma Grécia ferida de morte com o avanço do duro e planejado processo de empobrecimento de sua sociedade. Com os golpes emerge a aprendizagem, que são os que orientam o machucado povo grego, os suicídios na Praça Sintagma, as chantagens que se acumulam e não param, levando o país a uma espécie de labirinto vivo. Muitos mitos vão sendo construídos sobre a Grécia e é importante que eles sejam esclarecidos, a favor das razões para a mudança.

1. Devolver é o mais urgente. Ainda assumindo a falácia de que a Grécia é única responsável pela origem de sua dívida com os credores europeus, parece incompreensível que, nessa situação atual, o tema principal, o realmente urgente, seja ressarcir a dívida. Os dados da realidade helênica mostram até que ponto a economia europeia vive num esforço constante por manter um conflito que está provocando milhares de mortes e fragilizando a ideia de democracia, o que torna urgente a criação de um plano de emergência humanitária e um projeto internacional de liberação do país das forças que dão as cartas dentro da União Europeia, que acabaram com a soberania e a capacidade de recuperação dos gregos.

2. O problema é a negociação. O argumento proposto pela UE foi assimilado pelos meios de comunicação – em sua imensa maioria, porta-vozes acríticos dos seus desígnios. A partir dessa visão artificializada da situação grega, o problema central parece um obstáculo metodológico no qual a “prepotência dos empobrecidos” bloqueia o processo de negociação. Os credores aparecem como vítimas pacientes mas cansadas, diante de ferozes espartanos que não atuam pela razão. Pois bem, já que é preciso dizer claramente: o problema não é o método – embora ele, claramente, não seja neutro. O problema não é a negociação. O problema é a política rasteira utilizada pelos dirigentes europeus para teatralizar essa negociação, tensionando o conflito e criminalizando os representantes do povo grego.

3. A violação dos direitos humanos é rentável. A “plasticidade” econômica do empobrecimento da Grécia já chegou no limite, não só da dignidade, mas também da capacidade de seguir sendo objeto de saqueamento. Até mesmo os vikings, em suas incursões, mesmo sem serem especialmente inteligentes e diplomáticos, sabiam que não podiam saquear constantemente uma mesma cidade, porque assim não haveria nenhuma capacidade de recuperação e acumulação desse núcleo. O FMI e a Troika atacam, com visceralidade mais embrutecida, uma vítima cujo sangue que resta mal pode ser vampirizado. A violação dos direitos humanos suportada pelo povo grego é um claro exemplo da falta, não só de ética, mas também de inteligência dos mercados e seus donos.

4. A ausência. Finalmente, com tudo isso que está ocorrendo, onde está a voz da social-democracia? Que narrativa diferente está articulando? Perguntas de um verão golpeado sobre o inverno de uma ideologia fracassada. A social-democracia europeia, se é que ainda podemos chamá-la assim, não está adormecida, está entregue, e é cúmplice ativa das políticas macroeconômicas que estão assassinando a sociedade grega. A bipolaridade nunca foi uma alternativa, senão a muleta de um sistema que precisa seguir gerando a ilusão da pluralidade. O nível de contradição do epicentro ideológico e econômico europeu é tanto que não é arriscado dizer que a Alemanha precisa da miséria de outros países para seguir mantendo seu estado de bem-estar social-democrata. François Hollande se agacha. Pedro Sánchez (presidenciável do PSOE) sorri. Muitos têm a consciência limpa, porque não a usam.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

El referéndum griego, la vuelta de la democracia en Europa

Jacques Sapir
Le Figaro

El economista reflexiona sobre la decisión Alexis Tsipras para llamar a un referéndum. Él ve un gesto "gaullista" que simboliza el retorno de la democracia en un espacio europeo en el que ella estaba ausente.

Un fantasma recorre Europa

En un gesto de se puede calificar de gaullista [propio del general De Gaulle], Alexis Tsipras ha decidido convocar un referéndum el próximo 5 de julio para pedir al pueblo soberano que resuelva la discrepancia que le opone a los acreedores de Grecia. Tomó esta decisión ante lo que debemos denominar las amenazas, las presiones y los ultimátums a los que se ha tenido que enfrentar en los últimos días de negociación con la Troika, es decir, el Banco Central Europeo (BCE), la Comisión Europea (CE) y el Fondo Monetario Internacional (FMI). Al convocar el referéndum ha devuelto deliberadamente al dominio político una negociación que los integrantes de la Troika querían mantener en el dominio técnico y contable. Este gesto ha provocado un reacción extremadamente grave por parte del Eurogrupo que se mide en el comunicado publicado el sábado [27 de junio] el cual confirma en una nota a pie de página la expulsión de hecho de Grecia fuera del Eurogrupo. Nos encontramos ante un verdadero abuso de poder cometido la tarde de este 27 de junio. Lo que está en juego a partir de ahora ya no es solo la cuestión del devenir económico de Grecia. Lo que se plantea abiertamente es la cuestión de la Unión Europea y de la tiranía de la Comisión y del Consejo [Europeos].

La declaración de Alexis Tsipras

El texto de la declaración hecha por Alexis Tsipras la noche del 26 al 27 de junio en la televisión estatal griega es un ejemplo de probidad democrática. Ante el comportamiento de sus interlocutores y en particular lo que él considera un ultimátum, el primer ministro griego apela a la soberanía del pueblo. Desde ese punto de vista el texto es extremadamente claro:

«Tras cinco meses de negociación nuestros socios nos han planteado un ultimátum, lo que contraviene los principios de la UE y mina la reactivación de la sociedad y de la economía griegas. Estas propuestas violan absolutamente los logros europeos. Su objetivo es humillar a todo un pueblo y manifiestan ante todo la obsesión del FMI por un apolítica de austeridad extrema. […] En estos momentos tenemos una responsabilidad histórica de afirmar la democracia y la soberanía nacional, y esta responsabilidad nos obliga a responder al ultimátum basándonos en la voluntad del pueblo griego. He propuesto al consejo de ministros la organización de un referéndum y esta propuesta se ha aceptado por unanimidad».

Es probable que este breve texto henchido de gravedad y determinación entre en la Historia como una de las declaraciones que hacen honor a la democracia. Este texto también refleja la cólera fría y determinada que invade a su autor. Y quizá resida ahí el fracaso principal del Eurogrupo y de las instituciones europeas, el haber transformado a un partidario de Europa en un resuelto adversario de las instituciones europeas.

Las enseñanzas de la declaración Alexis Tsipras

Conviene leer atentamente este texto, que no es circunstancial. En efecto, de esta breve declaración se pueden sacar tres puntos importantes.

El primero es que el desacuerdo entre el gobierno griego y sus socios ha sido de inmediato político. El BCE y la CE no han dejado de buscar una capitulación del gobierno griego, lo que Tsipras denomina «la humillación de todo un pueblo». Lo que busca la UE por medio del Eurogrupo es cauterizar el precedente abierto por las elecciones de enero de 2015 en Grecia. Se trata de demostrar no solo en Grecia sino, lo que de hecho es más importante, en España, Italia y Francia que no se puede «salir del marco de la austeridad» tal como ha sido organizado por los tratados, como afirmó Jean-Claude Juncker, presidente de la Comisión Europea, desde las elecciones del 25 de enero.

El segundo punto importante de esta declaración es que por primera vez un dirigente elegido legalmente y en ejercicio declara que las instituciones europeas hacen propuestas que tanto en el fondo como en la forma «violan absolutamente los logros europeos». Es una acusación muy grave. Equivale a decir que las instituciones europeas, supuestamente las garantes de la democracia, actúan al contrario de esta. También equivale a decir que estas mismas instituciones, cuya legitimidad solo existe por delegación de la legitimidad de los Estados miembros, tienen unos comportamientos que violan la legitimidad y la soberanía de uno de dichos Estados miembros. Por consiguiente, equivale a decir que las instituciones de la Unión Europea se han constituido en Tyrannus ab exercitio, es decir, en un poder que aún habiendo surgido de procedimientos legítimos, sin embargo se comporta como un tirano. Equivale a poner radicalmente en tela de juicio toda legitimidad de las instancias de la Unión Europea.

El tercer punto se deduce de los dos primeros. Está contenido en la parte del texto que dice: «En estos momentos tenemos una responsabilidad histórica de afirmar la democracia y de la soberanía nacional y esta responsabilidad nos obliga a responder al ultimátum basándonos en la voluntad del pueblo griego». En adelante sitúa los retos no ya a nivel de la deuda sino al de los principios, tanto de la democracia como de la soberanía nacional. Y es en este sentido en el que se puede hablar de un verdadero «momento gaullista» en Alexis Tsipras. Osó plantear la cuestión de la austeridad y del referéndum, y recibió un apoyo unánime, incluso de los miembros de Anel, el pequeño partido soberanista aliado a Syriza. De este modo ha ascendido a la estatura de un dirigente histórico de su país.

La demostración de fuerza del Eurogrupo

La reacción del Eurogrupo no se hizo esperar. Después de calificar este referéndum de noticia «triste» (sad), su presidente, Jeroen Dijsselbloem, pidió al ministro [de economía] griego, Yanis Varoufakis, que abandonara la sala de reunión. Al hacerlo confirmó las opciones y métodos vigentes hoy en día en el seno de la Unión Europea. Más allá de las palabras están los hechos y estos son de una gravedad extrema. Con un acto que combina la más flagrante ilegalidad con la voluntad de imponer sus puntos de vista a un Estado soberano, el Eurogrupo decidió celebrar una reunión en ausencia de un representante del Estado griego. Por consiguiente, el Eurogrupo decidió de hecho excluir a Grecia del euro, lo que a todas luces constituye un abuso de poder. Y hay que recordar aquí varios puntos que no dejan de tener consecuencias, tanto jurídicas como políticas:

1. Actualmente no existe ningún procedimiento que permita excluir a un país de la Unión Económica y Monetaria (no real de la «zona euro»). En caso de haber una separación solo puede tener lugar de común acuerdo y amistosamente.

2. El Eurogrupo no tiene existencia legal. No es más que un «club» que opera bajo la cobertura de la Comisión Europea y del Consejo Europeo. Esto significa que si el Eurogrupo ha cometido un acto ilegal (y parece que efectivamente lo ha cometido) la responsabilidad de ello incumbe a estas dos instituciones. Por lo tanto, estaría justificado si el Estado griego demandara a la vez a la Comisión y al Consejo ante el Tribunal Europeo de Justicia, pero también ante el Tribunal Internacional de Justicia de La Haya. En efecto, la base de la Unión Europea es una organización internacional, lo que se constata, por ejemplo, en el estatuto y las exenciones fiscales de los funcionarios europeos. Ahora bien, la regla en toda organización internacional es la unanimidad. El Tratado de Lisboa previó mecanismos de mayoría cualificada, pero estos mecanismos no se aplican al euro ni a las cuestiones de las relaciones fundamentales entre Estados.

3. El demostración de fuerza (porque hay que llamarlo por su nombre) que acaba de hacer el Eurogrupo no concierne solo a Grecia. Otros países miembros de la Unión Europea (y pensamos en Reino Unido o Austria) también podrían denunciar tanto ante la justicia europea como ante la internacional la decisión de hecho que ha tomado el Eurogrupo. En efecto, la Unión Europea se basa en unas reglas de derecho que se aplican a todos. Toda decisión de violar estas reglas contra un país particular constituye una amenaza para el conjunto de los miembros de la Unión Europea.

4. Así pues, hay que ser claro. A largo plazo la decisión que ha tomado el Eurogrupo bien podría significar la muerte de la Unión Europea. O bien los dirigentes europeos, evaluando el abuso de poder que se acaba de cometer, se deciden a anularla, o bien, si perseveran en esta dirección, deben esperar una insurrección de los pueblos contra la Unión Europea, pero también de los gobernantes de determinados países. Así, es difícil ver cómo va a aceptar estas prácticas unos Estados que acaban de recuperar su soberanía, como Hungría, la Republica Checa o Eslovaquia.

Todo esto saca a relucir claramente la naturaleza fundamentalmente antidemocrática de las instituciones de la UE y el hecho de que esta última se esté constituyendo en Tiranía. El silencio de los principales responsables tanto del Partido Socialista [francés] como del antiguo UMP (rebautizado «Los Republicanos») dice mucho sobre el embarazo de una parte de la clase política francesa. Sin excusarlo, resulta comprensible.

El fantasma de la democracia en los pasillos de Bruselas

Por consiguiente, en Francia se siente de manera muy diferente el malestar que provoca la iniciativa de Alexis Tsipras. Ya sea en el Partido Socialista o en los «Republicanos» no se pueden oponer abiertamente a esta decisión sin contradecir inmediata y brutalmente todos los discursos dichos sobre la democracia. Pero, en realidad, el referéndum griego agita el fantasma de otro referéndum, el de 2005 sobre el proyecto del Tratado Constitucional en Europa. Uno de los episodios más vergonzosos y más infamantes de la vida política francesa es la manera como la inmensa mayoría de la clase política francesa, desde Nicolas Sarkozy a François Hollande pasando por los Aubry, Bayrou, Juppé y otros Fillon, fue desautorizada por la victoria del «Non», aunque hizo pasar de contrabando el mismo texto, excepto unas pocas cosas, durante el Tratado de Lisboa ratificado por el Congreso en Versalles.

No se puede ni se debe prejuzgar el resultado de este referéndum. Pero hay que poner de relieve que representa la vuelta de la democracia a un espacio europeo del que estaba ausente. Es probable que los partidos de oposición, tanto Nueva Democracia como el partido de centro izquierda El Río (To Potami) protesten y traten de impedir por medio de diferentes recursos legales la celebración de este referéndum. Estas reacciones son paradigmáticas de los comportamientos antidemocráticos que florecen hoy en Europa. Aportan agua al molino de Alexis Tsipras. Se percibe lo aterrorizados que están hoy por el fantasma de la democracia los actores europeístas de este drama.

Así pues, Alexis Tsipras no debe esperar apoyo alguno de François Hollande, sin querer ofender a Jean-Luc Mélenchon. Nuestro presidente [Hollande] cae sin miramientos en su propia mediocridad. Alexis Tsipras no debe esperar la menor gracia de Angela Merkel cuya política es la verdadera causa de esta crisis. Pero puede esperar el apoyo de todas aquellas personas que en Europa luchan por la democracia y la soberanía.