sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Hannah Arendt: Pensar e agir em tempos sombrios

André Duarte
Revista Cult


Nem liberal, nem marxista ou conservador, o traço do pensamento arendtiano assumiu a insígnia do amor mundi, do amor pelo mundo

Hannah Arendt nasceu em Linden, subúrbio de Hannover, Alemanha, no dia 14 de outubro de 1906. Sua infância transcorreu em meio à classe média judaica assimilada e profundamente mesclada à cultura alemã. Apesar de protegida do anti-semitismo pelo ambiente familiar, desde pequena Arendt sentia-se diferente das outras crianças. Já adulta, costumava referir-se a si própria citando um poema de Schiller (1759-1805), Das Mädchen aus der Fremde, a menina vinda do estrangeiro, do desconhecido. Esse contínuo sentimento de estranhamento a levou a pensar que apenas os parias conscientes de sua diferença representam a verdadeira humanidade, de maneira que a condição primeira de todo intelectual deveria ser o inconformismo social.

Aos 18 anos, decidiu cursar filosofia e foi então que conheceu pessoalmente Heidegger, na Universidade de Marburg. O encontro foi fulminante e os dois se apaixonaram, envolvendo-se numa relação amorosa secreta e impossível. Com a ascensão dos nazistas ao poder em 1933, Arendt abandonou a filosofia e engajou-se no grupo sionista liderado por um antigo conhecido de sua família, Kurt Blumenfeld. Em pouco tempo, foi presa e teve de fugir do país, sem documentos, rumo a Paris. Lá, tornou-se amiga de Walter Benjamin e de outros refugiados alemães, em sua maioria judeus e comunistas, entre os quais conheceu Heinrich Blücher (1899-1970), com quem viveria até a morte dele.

Apátrida

Superadas as dificuldades de adaptação após sua chegada aos Estados Unidos em 1941, como exilada e apátrida, Arendt começou a elaborar As origens do totalitarismo. Nesse livro de 1951, atesta-se o impressionante esforço intelectual de Arendt para compreender o incompreensível, fazendo de seu próprio destino uma história na qual as análises do anti-semitismo e do imperialismo culminam na investigação do totalitarismo. A análise arendtiana dos governos totalitários se tornou célebre ao propor a seguinte tese: a de que o nazismo e o stalinismo, a despeito de inúmeras e importantes diferenças entre si, constituíam variantes de uma mesma forma de dominação sem precedentes históricos.

Para Arendt, o totalitarismo não poderia ser comparado a outras formas de dominação já conhecidas e catalogadas pela filosofia política, como tiranias, despotismos ou ditaduras, das quais ele não seria apenas uma versão mais violenta. Arendt compreendeu que em sua pretensão de subordinar a liberdade humana e a totalidade da vida privada, social e política aos seus imperativos ideológicos, os governos totalitários não deixavam de pautar suas ações pelas leis que promulgavam, isto é, não pretendiam governar para além dos limites da lei. Antes, o totalitarismo altera radicalmente o próprio conceito tradicional de lei ao compreendê-la em termos das leis gerais de desenvolvimento da Natureza ou da História, extraindo-se desse suposto fundamento incontestável a própria legislação positiva.

Arendt também descobriu que os dois pilares de sustentação dos regimes totalitários são o terror e a ideologia, os quais se articulam de maneira complementar: ao mesmo tempo em que a ideologia justifica e demonstra a necessidade do emprego da violência terrorista contra todos os que estorvam o desenvolvimento histórico das classes sociais progressistas ou o desenvolvimento natural das raças mais evoluídas, é também por meio do terror que se criam e se reproduzem as condições sociais e políticas que, em concordância com a ideologia totalitária, transformam os supostos inimigos do regime em seres humanos degradados e perigosos, os quais precisam ser aniquilados. Por isso, as principais instituições dos governos totalitários são fábricas da morte, os campos de concentração e extermínio nos quais se testa a possibilidade de reduzir os seres humanos à condição da vida nua e supérflua que pode ser eliminada sem mais.

Crítica à divisão esquerda-direita

Ao confrontar-se com os horrores da dominação totalitária, Arendt descobriu que as questões políticas cruciais do presente não mais podiam elucidar-se por meio do recurso a conceitos tradicionais como esquerda ou direita e, desde então, manteve uma atitude crítica em relação à tradição do pensamento filosófico-político ocidental. Nem liberal, nem marxista ou conservador, o traço característico do pensamento arendtiano assumiu a insígnia do amor mundi, amor pelo mundo. Essa foi a perspectiva teórica a partir da qual Arendt deu início à compreensão dos desvarios políticos de nosso tempo, o absurdo totalitário e o fenômeno da moderna despolitização liberal-tecnocrática. Para Arendt, o século 20 testemunhou o obscurecimento da experiência democrática radical, caracterizada pelo envolvimento coletivo dos cidadãos nas questões políticas por meio de seus atos e palavras, tanto em função da burocratização e do crescente emprego da violência por parte do Estado, elevado ao paroxismo no fenômeno totalitário, quanto em função do processo histórico de privatização do espaço público, isto é, pela sua transformação estrutural no espaço social das trocas econômicas de uma sociedade constituída por indivíduos reduzidos à função de trabalhadores-consumidores. Tal fenômeno acarretou a crescente perda de autonomia do político em relação ao âmbito das necessidades econômicas e seus imperativos estratégicos e privatizantes.

Por certo, Arendt jamais afirmou que totalitarismo e democracia liberal fossem idênticos. O problema é que a novidade totalitária só foi possível na medida em que ali se radicalizaram e se cristalizaram elementos históricos e sociais próprios da modernidade tardia, os quais também são comuns às democracias liberais parlamentares de massa e mercado, tais como: racismo, xenofobia, apatia política decorrente do processo de isolamento dos cidadãos, atomização e massificação dos indivíduos, imperialismo econômico, emprego da mentira e da violência para a ‘resolução’ de conflitos, multiplicação das minorias, dos apátridas e refugiados, crescente superfluidade de massas humanas desprovidas de cidadania e de ocupação social digna, etc. Se no totalitarismo a liberdade fora totalmente aniquilada, nas democracias liberais representativas, fundadas no sistema de partidos políticos, a liberdade tenderia a se restringir ao mínimo instante do voto.

Busca do novo no passado

Tais dilemas ainda se fazem acompanhar pela transformação histórica do próprio espaço público em um livre mercado de trocas econômicas destinadas ao incremento e manutenção das necessidades vitais do homem contemporâneo. A tese arendtiana é a de que a partir do século 19 cada vez mais a política foi sobredeterminada por interesses sócio-econômicos privados e pelo saber técnico e burocrático que transformou o político num tecnocrata. Sob o impacto dessas transformações históricas, operou-se a liberação e a promoção da vida e da felicidade do animal laborans, isto é, o homem reduzido ao seu papel de produtor-consumidor, ao estatuto de valores e ideais políticos inquestionáveis. Para a autora, o problema residia em que os ideais mais caros do animal laborans, isto é, os ideais da abundância e do consumo desenfreado, do crescimento ilimitado, da contínua acumulação da riqueza a qualquer preço reduzem a humanidade ao ciclo repetitivo do seu próprio funcionamento vital, ao mesmo tempo em que impõem o esgarçamento das possibilidades políticas genuinamente democráticas e não violentas.

Face a esse diagnóstico sombrio, tanto em A condição humana quanto nos demais textos da segunda metade dos anos 1950 e dos anos 1960, Arendt dedicou-se a pensar o sentido das experiências políticas genuínas e originárias da polis e da res publica romana, que a tradição filosófica teria legado ao esquecimento. Ao desenvolver uma inovadora fenomenologia da liberdade, da ação política e do espaço público, Arendt procurou trazer à luz do presente as determinações democráticas e republicanas essenciais da política. No entanto, não se tratava de retornar ao passado para transformá-lo em modelo a ser repetido no presente, pois o que ela buscava na história não era algo pretérito ou já reconhecido enquanto tal. Pelo contrário, ela buscava no passado algo novo, isto é, um conjunto de experiências políticas voltadas para a felicidade pública e para o prazer da ação e do discurso em comum, experiências com as quais ela poderia iluminar o significado de certas manifestações políticas da modernidade e do nosso tempo. Não por acaso ela se interessou pelo fenômeno revolucionário, entendendo-o como uma série de repetidas tentativas populares para restabelecer formas participativas de envolvimento dos cidadãos na política. A insurreição húngara de 1956, em particular, pareceu-lhe reveladora: contra o poder opressivo da polícia e da burocracia soviética, o povo organizou-se em conselhos autônomos e tentou revolucionar as estruturas de poder vigentes, sendo, contudo, massacrado com violência.

Entre o poder constituinte e o poder constituído

Em Sobre a revolução, de 1963, Arendt refletiu sobre as diferenças entre as revoluções russa, francesa e americana, enxergando provocativamente nesta última o intento mais bem acabado do projeto revolucionário, a fundação de um novo espaço público orientado por uma constituição consensualmente pactuada. Daí também adveio seu interesse pelos movimentos políticos de defesa e ampliação dos direitos civis, bem como pela desobediência civil, tema de um importante ensaio publicado na coletânea Crises da república, de 1969, na qual ela também discutiu os fenômenos da violência contemporânea na política, da guerra do Vietnã e da proliferação da mentira na política. Sem ser uma ativista política, Arendt engajou seu pensamento na tarefa de compreender a crise política da modernidade, ao mesmo tempo em que buscava as brechas que poderiam revolucionar a política do presente. O problema com o qual Arendt se enfrenta em suas investigações dos eventos políticos genuínos da modernidade e do presente é o de como articular o poder constituinte, gerado por meio das ações e palavras dos cidadãos, e o poder constituído, que precisa se cristalizar em determinadas estruturas jurídico-políticas que garantam a estabilidade e a renovação do corpo político por meio do exercício coletivo da liberdade participativa. Seu pensamento político procura encontrar uma delicada solução de continuidade entre poder constituinte e poder constituído, entre as instâncias do político e do jurídico, entre democracia radical e democracia representativa, em suma, entre a criatividade imprevisível da ação política e a necessidade de se estabelecer limites normativos de caráter político, que detenham a disseminação da violência e da arbitrariedade sem domesticar a originalidade intrínseca de toda ação política genuinamente democrática.

Eros da amizade

Sua última obra, A vida do espírito, deixada incompleta por motivo de sua morte em 4 de dezembro de 1975, testemunha seu contínuo interesse pela interface entre filosofia e política. Neste livro publicado postumamente, Arendt analisou as atividades do pensar, do querer e do julgar, ao mesmo tempo em que discutiu suas implicações éticas e políticas. A despeito do volume sobre o Juízo não ter sido escrito, restaram, contudo, as notas do seminário proferido na New School for Social Research em 1970, em que Arendt propunha a inventiva e polêmica tese de que a filosofia política de Kant deveria ser buscada na sua análise do juízo reflexionante estético da Crítica do juízo. O pensar ao qual Arendt se refere não se confunde com especulações teóricas, pois é uma atividade dedicada à busca do sentido, da compreensão e reconciliação com o mundo. Enquanto busca do significado, tal pensamento é um diálogo silencioso entre eu e mim mesmo. Quando interrompo minhas ações no mundo e, a sós, paro para pensar minha conduta e julgar os eventos do mundo, não me encontro efetivamente sozinho. Quando penso, estou na companhia do amigo que me habita, do outro que trago junto a mim e com o qual estabeleço um diálogo silencioso; quando julgo, me encontro na companhia de todos os demais cuja posição eu possa representar por meio de minha imaginação. Em outros termos, ao pensar e julgar reconhecemos implicitamente a pluralidade humana que constitui a própria lei da Terra.

No elogio fúnebre prestado à amiga, o filósofo Hans Jonas (1903-1993) recordou que Hannah Arendt fora agraciada não apenas com uma inteligência excepcional, mas também pelo Eros da amizade, pois tinha o dom de reunir e associar aqueles que estivessem à sua volta.

domingo, 9 de outubro de 2016

¿Cómo le ponemos un alto al viraje político a la derecha?

Immanuel Wallerstein
La Jornada

Esta es una cuestión que la gente de izquierda y centroizquierda ha estado preguntándose por algún tiempo ya. De modos diferentes, la pregunta se hace en América Latina, en buena parte de Europa, en los países árabes e islámicos, en África austral y en el noreste asiático. La pregunta es de lo más dramática porque, en muchos de estos países, esto sigue a un periodo donde hubo virajes significativos hacia la izquierda.

El problema para la izquierda son las prioridades. Vivimos en un mundo en que el poderío geopolítico de Estados Unidos está en constante decadencia. Y vivimos en un mundo donde la economía-mundo está reduciendo seriamente los ingresos del Estado y los personales, de tal modo que los estándares de vida de la mayor parte de la población mundial están cayendo. Éstos son los constreñimientos de cualquier actividad para la izquierda. Constreñimientos que la izquierda así no puede afectar.

Crecientemente, hay movimientos emergentes que hacen su llamado denunciando a los principales partidos políticos de centro. Estos movimientos llaman a promover políticas transformadoras radicalmente nuevas. Pero hay dos clases de tales movimientos: uno que podríamos llamar la versión de derecha y el otro la versión de izquierda. La versión de derecha podemos hallarla en la campaña presidencial de Donald Trump en Estados Unidos, la campaña contra las drogas de Rodrigo Duterte en Filipinas, el partido Ley y Justicia en Polonia y muchos otros. En cuanto a la izquierda, la prioridad número uno es evitar que tales movimientos tomen el poder del Estado. Estos movimientos son básicamente xenofóbicos y excluyentes y utilizarán su control del Estado para aplastar a los movimientos de izquierda.

Por otra parte, existen movimientos de izquierda que también se han estado organizando sobre la base de políticas transformadoras radicalmente nuevas. Éstas incluyen el intento de Bernie Sanders de obtener la nominación demócrata a la presidencia de Estados Unidos, el intento de Jeremy Corbyn de retornar al Partido Laborista británico a su respaldo histórico hacia el socialismo, Syriza en Grecia y Podemos en España, y muchos otros. Por supuesto que cuando estos movimientos se acercan a la obtención del poder, la derecha mundial (de corriente dominante o la que es radicalmente anti-establishment) se une para eliminarlos o forzarlos a modificar sus posturas de modos importantes. Esto fue lo que ocurrió con Syriza.

Así que esta segunda prioridad tiene sus limitaciones en sí mismas. Se ven forzados a volverse otra versión de los partidos de centroizquierda o social demócrata. Esto tiene una función: limita el daño a corto plazo para los estratos más pobres, minimizando el daño. Pero no ayuda a la transformación.

El objetivo de mediano plazo de establecer un nuevo sistema-mundo que sea relativamente democrático y relativamente igualitario requiere acciones políticas de otro tipo. Requiere que en todas partes se organice desde el nivel más abajo de la política y de ahí ir construyendo alianza hacia arriba, en vez de que se baje a partir del poder del Estado. Éste ha sido el secreto de la fuerza reciente de los movimientos anti-establishment de derecha.

Lo que hará posible que la izquierda establezca un sistema sucesor de nuestro actual sistema capitalista, ahora en decadencia definitiva, es una habilidad para combinar la política de alianzas de corto plazo que minimizan el daño que los presupuestos apretados le hacen a los estratos más pobres, una fiera oposición a que el control del Estado lo obtengan los movimientos antiestablishment de ala derecha, y la continua organización de la izquierda mundial de abajo hacia arriba en lo político. Esto es muy difícil y requiere una claridad constante en el análisis, opciones morales firmes para la clase de otro mundo posible que queremos y decisiones políticas tácticas con sabiduría.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

La hora de la economía colaborativa

Ignacio Ramonet
Le Monde diplomatique

La economía colaborativa es un modelo económico basado en el intercambio y la puesta en común de bienes y servicios mediante el uso de plataformas digitales. Se inspira en las utopías del compartir y de valores no mercantiles como la ayuda mutua o la convivialidad, y también del espíritu de gratuidad, mito fundador de Internet. Su idea principal es: “lo mío es tuyo” (1), o sea compartir en vez de poseer. Y el concepto básico es el trueque. Se trata de conectar, por vía digital, a gente que busca “algo” con gente que lo ofrece. Las empresas más conocidas de ese sector son: Netflix, Uber, Airbnb, Blabacar, etc. Treinta años después de la expansión masiva de la Web, los hábitos de consumo han cambiado. Se impone la idea de que la opción más inteligente hoy es usar algo en común, y no forzosamente comprarlo. Eso significa ir abandonando poco a poco una economía basada en la sumisión de los consumidores y en el antagonismo o la competición entre los productores, y pasar a una economía que estimula la colaboración y el intercambio entre los usuarios de un bien o de un servicio. Todo esto plantea una verdadera revolución en el seno del capitalismo que está operando, ante nuestros ojos, una nueva mutación.

Imaginemos que, un domingo, usted decide realizar un trabajo casero de reparación. Debe perforar varios agujeros en una pared. Y resulta que no posee un taladrador. ¿Salir a comprar uno un día festivo? Complicado… ¿Qué hacer? Lo que usted ignora es que, a escasos metros de su casa, viven varias personas dispuestas a ayudarle. No saberlo es como si no existieran. Entonces, ¿por qué no disponer de una plataforma digital que le informe de ello… que le diga que ahí, muy cerca, vive un vecino dispuesto a asistirlo y, al vecino, que una persona necesita su ayuda y que está dispuesta a pagar algo por esa ayuda? (2).

Tal es la base de la economía colaborativa y del consumo colaborativo. Usted se ahorra la compra de un taladrador que quizás no vuelva a usar jamás y el vecino se gana unos euros que le ayudan a terminar el mes. Gana también el planeta porque no hará falta fabricar (con lo que eso conlleva de contaminación del medio ambiente) tantas herramientas individuales que apenas usamos, cuando podemos compartirlas. En Estados Unidos, por ejemplo, hay unos 80 millones de taladradores cuyo uso medio, en toda la vida de la herramienta, es de apenas 13 minutos... Se reduce el consumismo. Se crea un entorno más sostenible. Y se evita un despilfarro porque, lo que de verdad necesitamos, es el agujero, no el taladrador…

En un movimiento irresistible, miles de plataformas digitales de intercambio de productos y servicios se están expandiendo a toda velocidad (3). La cantidad de bienes y servicios que pueden imaginarse mediante plataformas online, ya sean de pago o gratuitas (como Wikipedia), es literalmente infinita. Solo en España hay más de cuatrocientas plataformas que operan en diferentes categorías (4). Y el 53% de los españoles declaran estar dispuestos a compartir o alquilar bienes en un contexto de consumo colaborativo.

A nivel planetario, la economía colaborativa crece actualmente entre el 15% y el 17% al año. Con algunos ejemplos de crecimiento absolutamente espectaculares. Por ejemplo Uber, la aplicación digital que conecta a pasajeros con conductores, en solo cinco años de existencia ya vale 68.000 millones de dólares y opera en 132 países. Por su parte, Airbnb, la plataforma online de alojamientos para particulares surgida en 2008 y que ya ha encontrado cama a más 40 millones de viajeros, vale hoy en Bolsa (sin ser propietaria de ni una sola habitación) más de 30.000 millones de dólares (5).

El éxito de estos modelos de economía colaborativa plantea un desafío abierto a las empresas tradicionales. En Europa, Uber y Airbnb han chocado de frente contra el mundo del taxi y de la hostelería respectivamente, que les acusan de competencia desleal. Pero nada podrá parar un cambio que, en gran medida, es la consecuencia de la crisis del 2008 y del empobrecimiento general de la sociedad. Es un camino sin retorno. Ahora la gente desea consumir a menor precio, y también disponer de otras fuentes de ingresos inconcebibles antes de Internet. Con el consumo colaborativo crece, asimismo, el sentimiento de ser menos pasivo, más dueño del juego. Y la posibilidad de la reversibilidad, de la alternancia de funciones, poder pasar de consumidor a vendedor o alquilador, y viceversa. Lo que algunos llaman “prosumidor”, una síntesis de productor y consumidor (6).

Otro rasgo fundamental que está cambiando –y que fue nada menos que la base de la sociedad de consumo–, es el sentido de la propiedad, el deseo de posesión. Adquirir, comprar, tener, poseer eran los verbos que mejor traducían la ambición esencial de una época en la que el tener definía al ser. Acumular “cosas” (7) (viviendas, coches, neveras, televisores, muebles, ropa, relojes, cuadros, teléfonos, etc.) constituía la principal razón de la existencia. Parecía que, desde el alba de los tiempos, el sentido materialista de posesión era inherente al ser humano. Recordemos que George W. Bush ganó las elecciones presidenciales en Estados Unidos, en 2004, prometiendo una “sociedad de propietarios” y repitiendo: “Cuantos más propietarios haya en nuestro país, más vitalidad económica habrá en nuestro país”.

Se equivocó doblemente. Primero porque la crisis del 2008 destrozó esa idea que había empujado a las familias a ser propietarias, y a los bancos –embriagados por la especulación inmobiliaria–, a prestar (las célebres subprimes) sin la mínima precaución. Así estalló todo. Quebraron los bancos hipotecarios y hasta el propio Lehman Brothers, uno de los establecimientos financieros aparentemente más sólidos del mundo... Y segundo, porque, discretamente, nuevos actores nacidos de Internet empezaron a dinamitar el orden económico establecido. Por ejemplo: Napster, una plataforma para compartir música que iba a provocar, en muy poco tiempo, el derrumbe de toda la industria musical y la quiebra de los megagrupos multinacionales que dominaban el sector. E igual iba a pasar con la prensa, los operadores turísticos, el sector hotelero, el mundo del libro y la edición, la venta por correspondencia, el cine, la industria del motor, el mundo financiero y hasta la enseñanza universitaria con el auge de los MOOC (Masive Open Online Courses o cursos online gratuitos) (8).

En un momento como el actual, de fuerte desconfianza hacia el modelo neoliberal y hacia las elites políticas, financieras y bancarias, la economía colaborativa aporta además respuestas a los ciudadanos en busca de sentido y de ética responsable. Exalta valores de ayuda mutua y ganas de compartir. Criterios todos que, en otros momentos, fueron argamasa de utopías comunitarias y de idealismos socialistas. Pero que son hoy –que nadie se equivoque– el nuevo rostro de un capitalismo mutante deseoso de alejarse del salvajismo despiadado de su reciente periodo ultraliberal.

En este amanecer de la economía colaborativa, las perspectivas de éxito son inauditas porque, en muchos casos, ya no se necesitan las indispensables palancas del aporte de capital inicial y de búsqueda de inversores. Hemos visto cómo Airbnb, por ejemplo, gana una millonada a partir de alojamientos que ni siquiera son de su propiedad.

En cuanto al empleo, en una sociedad caracterizada por la precariedad y el trabajo basura, cada ciudadano puede ahora, utilizando su ordenador o simplemente su teléfono inteligente, proveer bienes y servicios sin depender de un empleador. Su función sería –además de compartir, intercambiar, alquilar, prestar o regalar– la de un intermediario. Cosa nada nueva en la economía: ha existido desde el inicio del capitalismo. La diferencia reside ahora en la tremenda eficiencia con la que –mediante poderosos algoritmos que, casi instantáneamente, calculan ofertas, demandas, flujos y volúmenes–, las nuevas tecnologías analizan y definen los ciclos de oferta-demanda.

Por otra parte, en un contexto en el que el cambio climático se ha convertido en la amenaza principal para la supervivencia de la humanidad, los ciudadanos no desconocen los peligros ecológicos inherentes al modelo de hiperproducción y de hiperconsumo globalizado. Ahí también, la economía colaborativa ofrece soluciones menos agresivas para el planeta.

¿Podrá cambiar el mundo? ¿Puede transformar el capitalismo? Muchos indicios nos conducen a pensar, junto con el ensayista estadounidense Jeremy Rifkin (9), que estamos asistiendo al ocaso de la 2ª revolución industrial, basada en el uso masivo de energías fósiles y en unas telecomunicaciones centralizadas. Y vemos la emergencia de una economía colaborativa que obliga, como ya dijimos, al sistema capitalista a mutar. Por el momento coexisten las dos ramas: una economía de mercado depredadora dominada por un sistema financiero brutal, y una economía del compartir, basada en las interacciones entre las personas y en el intercambio de bienes y servicios casi gratuitos... Aunque la dinámica está decididamente a favor de esta última.

Quedan muchas tareas pendientes: garantizar y mejorar los derechos de los e-trabajadores; regular el pago de tasas e impuestos de las nuevas plataformas; evitar la expansión de la economía sumergida... Pero el avance de esta nueva economía y la explosión de un nuevo modo de consumir parecen imparables. En todo caso, revelan el anhelo de una sociedad exasperada por los estragos del capitalismo salvaje. Y que aspira de nuevo, como lo reclamaba el poeta Rimbaud, a cambiar la vida.

NOTAS
(1) Léase Rachel Botsman y Roo Rogers: What's Mine is Yours: The Rise of Collaborative Consumption, Harper Collins, Nueva York, 2010.
(2) En España, existen varias plataformas dedicadas a eso, por ejemplo: Etruekko (http:// etruekko.com/) y Alkiloo (http://www.alkiloo.com/).
(3) Consúltese: www.consumocolaborativo.com
(4) El diario online El Referente, en su edición del 25 de octubre de 2015, ha recogido las principales start-ups dedicadas a los viajes, la cultura y el ocio, la alimentación, el transporte y el parking, la mensajería, las redes profesionales, el intercambio y alquiler de productos y servicios, los gastos compartidos, los bancos de tiempo, la tecnología e Internet, la financiación alternativa y fintech, la moda, los deportes, la educación, la infancia, el alquiler de espacios, los pisos compartidos y otras plataformas de interés. http://www.elreferente.es/tecnologicos/directorio-plataformas-economia-colaborativa-espana-28955
(5) Airbnb ya vale más que Hilton, el primer grupo de hostelería del mundo. Y más que la suma de los dos otros grandes grupos mundiales Hyatt y Marriot. Con dos millones de alojamientos en 191 países, Airbnb se coloca por delante de todos sus competidores en capacidad de alojamiento a escala planetaria. Airbnb cobra el 3% del precio de la transacción al propietario y entre el 6% y el 12% al inquilino.
(6) El concepto de prosumidor aparece por vez primera en el ensayo de Alvin Toffler, La Tercera Ola (Plaza&Janés, Barcelona, 1980), que define como tal a las personas que son, al mismo tiempo, productores y consumidores.
(7) Las Cosas (Les Choses, 1965) es una novela del autor francés Georges Perec. La primera edición en español (trad. de Jesús López Pacheco), fue publicada en 1967 por Seix Barral. En 1992, Anagrama la reeditó con la traducción de Josep Escué. Es una crítica de la sociedad de consumo y de la trivialidad de los deseos fomentados por la publicidad.
(8) Desde hace dos años, unos seis millones de estudiantes se han puesto a seguir gratuitamente cursos online, difundidos por las mejores universidades del mundo. http://aretio.hypotheses.org/1694
(9) Jeremy Rifkin, La sociedad de coste marginal cero: El Internet de las cosas, el procomún colaborativo y el eclipse del capitalismo, Paidós, Madrid, 2014.
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